CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES
DE VIDA APOSTÓLICA
ANO DA VIDA
CONSAGRADA
PERSCRUTAI
AOS CONSAGRADOS E ÀS CONSAGRADAS
A CAMINHO DOS SINAIS DE DEUS
“Sempre a caminho com aquela virtude
que é uma virtude peregrina:
a alegria!”
Papa Francisco
Caríssimos
irmãos e irmãs,
1.
Continuamos
na alegria a caminhada para o Ano da Vida Consagrada a fim de que os nossos
passos sejam já tempo de conversão e de graça. Com a palavra e a vida, Papa
Francisco continua a indicar a alegria do anúncio e a fecundidade de uma vida
vivida na forma do Evangelho, enquanto nos convida a prosseguir, a ser “Igreja
em saída”,[1]segundo uma lógica de liberdade.
Solicita-nos a
deixar para trás “uma Igreja mundana sob vestes espirituais ou pastorais” para
respirar “o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos c entrados
em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus. não deixemos
que nos roubem o Evangelho!.[2]
A vida consagrada é sinal dos bens futuros
na cidade humana, em êxodo pelas veredas da história. Aceita medir-se com
certezas provisórias, com situações novas, com provocações em contínuo
processo, com instâncias e paixões gritadas pela humanidade contemporânea.
Nessa peregrinação vigilante ela custodia a busca do rosto de Deus, vive o
seguimento de Cristo, deixa-se guiar peço Espírito, para viver o amor pelo
Reino com fidelidade criativa e operosidade ativa. A identidade de peregrina e
orante in limine historiae lhe
pertence intimamente.
Esta carta deseja transmitir a todos os
consagrados e consagradas essa preciosa herança, exortando-os a “permanecer com
o coração resoluto, fiéis ao Senhor” (cf. At 11, 23-24), e a prosseguir nesse
caminho de graça. Queremos ler ljuntos em síntese os passos dados nos últimos
cinquenta anos. Nessa memória, o Concílio Vaticano II emerge como acontecimento
de importância absoluta para a renovação da vida consagrada. Ecoa para nós o
convite do Senhor: “Parai nos caminhos e olhar, perguntai sobre as veredas de outrora,
qual é o caminho do bem, e caminhai nele, assim alcançareis paz para a vossa
vida” (Jr 6,16).
Nesse statio cada um pode reconhecer tanto as sementes de vida que,
plantadas “em coração bom e generoso” (Lc 8,15), fecundaram, como aquelas que
tendo caído à beira do caminho, sobre a pedra ou entre os espinhos, não deram
fruto.
Abre-se a possibilidade de prosseguir o
caminho com coragem e vigilância para ousar escolhas que honrem o caráter profético da nossa identidade, “forma
especial de participação na função profética de Cristo, comunicada pelo
Espírito a todo o povo de Deus”,[3] a fim de que se
manifeste hoje “a preeminente grandeza da graça vitoriosa de Cristo e a
infinita potência do Espírito Santo que opera na Igreja”.[4]
Perscrutar os horizontes da nossa vida e
do nosso tempo em vigilante vigília. Perscrutar na noite para reconhecer o fogo
que ilumina e guia, perscrutar o céu para reconhecer os sinais anunciadores de
bênçãos para a nossa aridez. Vigiar vigilantes e interceder, firmes na fé.
Corre o tempo de dar razão ao Espírito
que cria: “Na nossa vida pessoal, na vida privada – recorda o Papa Francisco
– o Espírito nos impele a tomar um
caminho mais evangélico. Não opor resistência ao Espírito Santo: é esta a graça
que desejaria que todos nós pedíssemos ao Senhor: a docilidade ao Espírito
Santo, àquele Espírito que vem a nós e nos faz ir adiante no caminho da
santidade, aquela santidade tão bela da Igreja. A graça da docilidade ao
Espírito Santo”.[5]
Esta carta encontra as suas razões na
memória da graça copiosa vivida pelos consagrados e pelas consagradas na
Igreja, enquanto com franqueza convida a discernir. O Senhor está vivo e
atuante na hossa história e nos chama à colaboração e ao discernimento
conjunto, para novas épocas de profecia e de serviço da Igreja, com vistas ao
Reino que vem.
Revistamo-nos com as armas da luz, da
liberdade, da coragem do Evangelho para perscrutar o horizonte, reconhecer os
sinais de Deus e obedecer a eles; com escolhas evangélicas ousadas no estilo do
humilde e do pequeno.
EM
ÊXODO OBEDIENTE
Durante toda a viagem
quando a nuvem se levantava de
cima
da Habitação, os israelitas
punham-se
em movimento.
Mas se a nuvem não se levantava,
também eles não partiam
até que ela se levantasse.
Pois, durante o dia, a nuvem do
Senhor
ficava sobre a Habitação
e durante a noite havi aum fogo
dentro dela
visível a toda a casa de Israel,
durante toda a sua viagem.
Ex 40, 36-38
À escuta
2.
A
vida de fé não é simplesmente uma posse, mas um caminho que conhece passagens
luminosas e túneis escuros, horizontes abertos e veredas tortuosas e incertas.
Do misterioso abaixar-se de Deus sobre as nossas vidas e os nossos
acontecimentos, segundo as Escrituras, nascem admiração e alegria, dom de Deus
que enche a vida de sentido e luz e encontra plenitude na salvação messiânica
realizada por Cristo.
Antes de focalizar a atenção no
acontecimento conciliar e nos seus efeitos, dexemo-nos orientar por um ícone
bíblico para ter lembrança viva e grata do kairós
pós-conciliar, nos valores inspirativos.
A grande epopeia que foi o êxodo do povo
eleito da escravidão do Egito para a Terra Prometida se torna icone sugestivo
que lembra o nosso moderno stop and go, a
parada e a partida, a paciência e o empreendedorismo. Estas décadas foram
exatamente um período de altos e baixos, de impulsos e desilusões, de
explorações e fechamentos saudosistas.
A tradição interpretativa da vida
espiritual, que de várias formas apresenta-se ligada com a da vida consagrada,
encontrou muitas vezes no grande paradigma do êxodo do povo de Israel do Egito
símbolos e metáforas sugestivas: a sarça ardente, a passagem pelo mar, a
caminhada pelo deserto, a teofania no Sinai, o medo da solidão, o dom da lei e
da aliança, a coluna de nuvem e de fogo, o maná, a água da rocha, o murmúrio e
as nostalgias.
Retomando o símbolo da nuvem (em habraico ’ãnãn)[6]que
guiava misteriosamente a caminhada do povo: fazia ora parando, inclusive por
muito tempo e, portanto, suscitando privações e saudades, ora levantando-se e
movendo-se e assim indicando o ritmo da marcha, sob a guia de Deus.
Coloquemo-nos à escuta da Palavra:
“Durante toda a viagem, quando a nuvem se levantava acima da Habitação, os
israelitas punham-se em movimento. Mas se a nuvem não se levantava, também eles
não partiam até que ela se levantasse. Pois, durante o dia, a nuvem do Senhor
ficava sobre a Habitação e durante a noite havia um fogo dentro dela visível a
toda a casa de Israel, durante toda a sua viagem” (Ex 40, 36-38).
Traz algo de interessante e de novo o
texto paralelo de Números (cf. Nm 9,15-23), em particular sobre as paradas e as
partidas: “Enquanto a nuvem permanecia sobre a Habitação, os filhos de Israel
ficavam acampados; mas quando ela se levantava, então partiam (Nm 9,22).
Ficava evidente que este estilo de
presença e guia por parte de Deus exigia uma contínua vigilância: seja para
responder ao imprevisível movimento da nuvem, seja para guardar a fé na
presença protetora de Deus, quando as paradas era longas e a meta adiada sine die.
Na linguagem simbólica do relato bíblico
aquela nuvem era o anjo de Deus, como
afirma o livro do Êxodo (Ex 14,19). E, na interpretação sucessva, a nuvem se torna um símbolo privilegiado
da presença, da bondade e da fidelidade ativa de Deus. De fato, as tradições
profética, sálmica e sapiencial retomaram frequentemente este símbolo,
desenvolvendo também outros aspectos, como, por exemplo, o fato de Deus se
esconder por culpa do povo (cf. Lm 3,44) ou a majestade da sede do trono de
Deus (cf. 2Cr 6,1; Jó 26,9).
O NT retoma, às vezes, com linguagem
análoga, este símbolo nas teofanias:
a concepção virginal de Jesus (cf. Lc 1,35), a transfiguração (cf. Mt 17,1-8 e
par.), a ascenção de Jesus ao céu (cf. At, 1-9). Paulo usa a nuvem também como símbolo do Batismo
(cf. 1Cor 10,1), e a simbólica da nuvem
faz sempre parte do imaginário para descrever a volta gloriosa do Senhor no fim dos tempos (cf. Mt 24,30; 26,64; Ap
1,7; 14,14).
Em síntese, a perspectiva dominante, já
na simbologia típica do êxodo, é a da nuvem como sinal da mensagem divina,
presença ativa do Senhor Deus no meio do seu povo. Israel deve estar sempre
pronto a prosseguir a caminhada se a nuvem se puser a caminho, a reconhecer a
sua culpa e detestá-la quando o seu horizonte ficar escuro, a ter paciência
quando as paradas se prolongarem e a meta parecer inatingível.
Na complexidade das múltiplas passagens
bíblicas do símbolo da nuvem,
acrescentam-se também os valores da
inecessibilidade de Deus, da sua soberania que vigia tudo do alto, da
sua misericórdia que rasga as nuvens e desce para devolver vida e esperança.
Amor e conhecimento de Deus se aprendem apenas num caminho de seguimento, numa
disponibilidade livre de medos e nostalgias.
Após séculos do êxodo, quase próximo da
vinda do Redentor, o sábio recordará aquela aventurosa epopeia dos israelitas
guiados pela nuvem e pelo fogo com uma
frase lapidar: “Deste a eles uma coluna de fogo para guiá-los num caminho
desconhecido” (Sab 18,3).
Como guiadospela
nuvem
3.
A
nuvem de luz e de fogo que guiava o povo, segundo ritmos que exigiam total
obediência e plana vigilância, é eloquente para nós. Podemos divisar, como num espelho, um modelo interpretativo para a
vida consagrada do nosso tempo. Por algumas décadas, a vida consagrada,
impelida pelo impulso carismático do Concílio, caminhou como se seguisse os
sinais da nuvem do Senhor.
Aqueles que tiveram a graça de “ver” o
início da caminhada conciliar têm no coração o eco das palavras de São João
XXIII: Gaudet Mater Ecclesia, o incipit do discurso de abertura do
Concílio (11 de outubro de 1962)[7].
Como sinal da alegria, júbilo profundo
do espírito, a vida consagrada foi chamada a continuar, em novidade, a
caminhada da história: “No presente estado dos acontecimentos humanos, no qual
a humanidade parece entrar numa nova ordem de coisas, hão de se ver antes os
mistériosos planos da Divina Providência, que se realizam em tempos sucessivos
através da obra dos homens, e frequentemente além das suas expectativas, e com
sabedoria dispõe tudo, inclusive as adversidades humanas, para o bem da Igreja,
[...] é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente
respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do
nosso tempo. Uma coisa é a substância do depósito da fé, isto é, as verdades
contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas,
conservando, contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir
muita importância a este método e, se necessário, aplicá-lo com paciência
[...]”.[8]
São João Paulo II definiu o
acontecimento conciliar como “a grande graça que beneficiou a Igreja no século
XX: nele se encontra uma bússula segura para nos orientar no caminho”.[9] Papa Francisco
acentuou que “foi uma obra bonita do Espírito Santo”.[10] Podemos
afirmar isto também para a vida consagrada: foi uma passagem benéfica de
iluminação e discernimento, de trabalhos e gandes alegrias.
A caminhada dos consagrados foi um
verdadeiro “caminho exodal”.[11] Tempo de
entusiasmo e de audácia, de inventividade e de fidelidade criativa, mas também
de certezas frágeis, de improvisações e desilusões amargas. Com o olhar
reflexivo de depois, podemos reconhecer que deveras “havia um fogo dentro da
nuvem” (Ex 40,38) e que por vias “desconhecidas” o Espírito de fato conduziu a
vida e os projetos dos consagrados e das consagradas pelos caminhos do Reino.
Nos últimos anos o impulso desse caminho
parece enfraquecido. A nuvem parece mais envolta de escuridão que de fogo, mas
nela habita ainda o fogo do Espírito.
Embora às vezes possamos caminhar na escuridão e na tibieza, que correm o risco
de perturbar os nossos corações (cf. Jo 14,1), a fé desperta a certeza de que
dentro da nuvem não faltou a presença do Senhor: ela é “clarão de fogo
chamejante durante a noite” (Is 4,5), além da escuridão.
Trata-se de partir sempre de novo na fé
“numa viagem desconhecida” (Sb 18,3), como o pai Abraão, que “partiu sem saber
aonde ia” (cf. Hb 11,8). É um caminho que exige uma obediência e uma confiança
radicais, ao qual só a fé permite ter acesso e que na fé é possível renovar e
consolidar.[12]
Memória viva do
êxodo
4.
Não há dúvida de que os consagrados e as consagradas
no final da Assembleia Concilia tinham acolhido com ampla adesão e fervor
sincero as deliberações dos padres conciliares. Percebia-se que estava aginda a
graça do Espírito Santo, invocado por São João XXIII para conseguir para a
Igreja um Pentecostes renovado. Ao
mesmo tempo se percebia uma sintonia de pensamento, de aspirações, de agitação in itinere há pelo menos uma década.
A constituição apostólica Provida Mater Ecclesia, em 1947, reconhecia
a consagração que vive os conselhos evangélicos na condição secular. Um “gesto
revolucionário na Igreja”. [13] O
reconhecimento oficial chegou antes que a reflexão teológica delineasse o
horizonte específico da consagração secular. Através desse reconhecimento se
exprimia de algum modo uma orientação que estaria no coração do Concílio
Vaticano II: a simpatia pelo mundo gera um diálogo novo.[14]
Este Dicastério, em 1950, sob os
auspícios de Pio XII, convoca o primeiro Congresso Mundial dos Estados de Perfeição.
Os ensinamentos pontifícios abrem o caminho para uma accommodata renovatio, expressão que o Concílio faz sua no decreto Perfectae caritatis. Àqauele Congresso
seguiram-se outros, em vários contextos e sobre vários temas, tornando possível
nos anos 1950 e no início da década seguinte uma nova reflexão teológica e espiritual. Nesse
campo bem preparado, a Assembleia Conciliar espalhou com profusão a boa semente
da doutrina e a riqueza de orientações concretas que ainda hoje vivemos como
preciosa herança.
Após cinquenta anos da promulgação da
Constituição dogmática Lumen Gentium
do Concílio Vaticano II, que ocorreu em 21 de novembro de 1964, uma memória de
alto valor teológico e eclesial permanece: “A Igreja toda aparece como ‘o povo
unido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo’”.[15] É reconhecida
a centralidade do povo de Deus a caminho entre os povos, redimido pelo sangue
de Cristo (cf. At 20,28), cheio do Espírito de verdade e de santidade e
“enviado a toda parte como luz do mundo e sal da terra” (cf. Mt, 5,13-16).[16]
Delineia-se assim uma identidade
firmemente estabelecida sobre Cristo e o seu Espírito, e ao mesmo tempo se
propõe uma Igreja voltada a todas as situações culturais, sociais e
antropológicas: “Destinada a estender-se a todas regiões, ela entra na história
dos homens, ao mesmo tempo que transcende os tempos e as fronteiras dos povos.
Caminhando por meio de tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela
força da graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não se afaste
da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne, mas permaneça digna
esposa do seu Senhor, e, sob a ação do Espírito Santo, não cesse de se renovar
até, pela cruz, a chegar à luz que não conhece ocaso.”[17]
A Lumen
Gentium dedica todo o capítulo VI aos religiosos.[18] Depois de ter
afirmado o princípio teológico da “vocação de todos à santidade”,[19] a Igreja
reconhece entre as múltiplas vias de santidade o dom da vida consagrada,
recebido do seu Senhor e guardado em todo o tempo com a sua graça.[20] A raiz batismal
da consagração, seguindo o ensinamento de Paulo VI, é evidenciada com alegria,
enquanto se indica o estilo de vida vivido no seguimento de Cristo como
permanente e eficaz representação da forma de existência que o Filho de Deus
abraçou na sua existência terrena. A vida consagrada, enfim, é indicada como sinal para o Povo de Deus no cumprimento
da comum vocação cristã e manifestação da graça do Senhor Ressuscitado e do
poder do Espírito Santo que opera maravilhas na Igreja.[21]
Com o passar dos anos, estas afirmações
mostraram uma eficácia vigorosa. Uma mudança cujo fruto pode ser hoje saboreado
é o senso eclesial aumentado que delineia a identidade e anima a vida e as
obras dos consagrados.
Pela primeira vez nos trabalhos de um
Concílio ecumênico a vida consagrada foi identificada como parte viva e fecunda
da vida de comunhão e de santidade da Igreja, e não como âmbito que precisa de
“decretos de reforma”.
Intenção igual guiou também o decreto Perfectae caritatis, cujo quinquagésimo
aniversário de promulgação, ocorrido em 28 de outubro de 1965, nos preparamos
para celebrar. Nele ocoa unívoca a radicalidade da chamada: “Dado que a vida
religiosa tem por última norma o seguimento de Cristo proposto no Evangelho, deve ser esta a regra suprema
de todos os institutos”.[22] Parece uma
afirmação óbvia e genérica, e de fato ela provocou uma purificação radical das
espiritualidades devocionais e das identidades voltadas para a primazia dos
serviços eclesiais e sociais, firmes na imitação sacralizada dos propósitos dos
fundadores.
Não se pode antepor nada à centralidade
do seguimento radical de Cristo.
O magistério conciliar inicia também o
reconhecimento da variedade de fo rmas de vida consagrada. Os institutos
apostólicos veem reconhecidos com clareza, pela primeira vez em nível tão
autorizado, o princípio de que a sua ação apostólica pertence à própria
natureza da vida consagrada.[23] A vida
consagrada leiga aprecece constituída e reconhecida como “um estado em si
completo de profissão dos conselhos evangélicos”.[24] Os institutos
seculares surgem com a sua especificidade constitutiva da consagração secular.[25] Prepara-se o
renascimento da Ordo Virginum e da
vida eremítica como formas não associadas da vida consagrada.[26]
Os conselhos evangélicos são
apresentados com acentos inovadores, como projeto existencial assumido com
modalidades próprias e com uma radicalidade particular de imitação de Cristo. [27]
Mais dois temas sobressaem pela
linguagem nova com que são apresentados: a vida fraterna em comum e a formação.
A vida fraterna encontra plenamente a inspiração bíblica dos Atos dos
Apóstolos, que por séculos animou a inspiração ao cor unum et anima una (At 4,32). O reconhecimento positivo da
variedade dos modelos e dos estilos de vida fraterna constitui hoje um dos
êxitos mais significativos do sopro inovador do Concílio. Além disso, apelando
para o dom comum do Espírito, o decreto Perfectae
caritatis leva à superação de classes e categorias, para estabelecer
comunidades de estilo fraterno, com iguais direitos e obrigações, exceto
aqueles que provêm da Ordem sacra.[28]
O valor e a necessidade da formação são
colocados como fundamento da renovação: “A renovação dos Institutos depende
sobretudo da formação dos seus membros”.[29] Pela sua
essencialidade, este princípio funcionou como um axioma: a partir dele
desenvolveu-se um itinerário tenaz e explorador de experiências e
discernimento, no qual a vida consagrada investiu intuições, estudos, pesquisa,
tempo, meios.
Alegrias e
percalços do caminho
5.
A
partir das solicitações conciliares, a vida consagrada percorreu um longo
caminho. Na verdade, o êxodo não levou somente à busca dos horizontes indicados
pelo Concílio. Os consagrados e as consagradas se encontram e enfrentam
realidades sociais e culturais inéditas: a atenção aos sinais dos tempos e dos lugares, o
convite permanente da Igreja a realizar o estilo conciliar, a redescoberta e
reinterpretação dos carismas de fundação, as rápidas mudanças na sociedade e na
cultura. Novos cenários que pedem discernimento novo e unânime, desestabilizando
modelos e estilos repetidos no tempo, incapazes de dialogar, como testemunho
evangélico, com os novos desafios e as novas oportunidades.
Na constituição Humanae salutis, com a
qual São João XXIII anunciava a Assembleia Conciliar do Vaticano II, se lê:
“Seguindo as recomendações de Cristo Senhor que nos exorta a interpretar os sinais dos tempos (Mt 16,3), no meio
de tanta treva vislumbramos não poucos indícios que dão sólida esperança de
tempos melhores para a Igreja e a humanidade”.[30]
A Carta Encíclica Pacem in terris, endereçada a todos os homens de boa vontade,
introduzida como chave teológica os “sinais dos tempos”. Entre eles, São João
XXIII reconhece: a ascensão econômico-social das classes trabalhadoras; a
entrada da mulher na vida pública; a formação de nações independentes[31]; a tutela e a
promoção dos direitos e dos deveres nos cidadãos conscientes de sua dignidade;[32] a persuasão de
que os conflitos devem encontrar solução através da negociação, sem o recurso
das armas.[33]
Entre esses sinais ele inclui também a Declaração
universal dos direitos do homem aprovada pelas Nações Unidas.[34]
Os consagrados habitaram e interpretaram
estes novos horizontes. Anunciaram e testemunharam in primis o Evangelho com a vida, oferecendo ajuda e solidariedade
de todo o tipo, colaborando nas tarefas mais diversas no signo da proximidade
cristã, envolvidos no processo histórico em ato. Longe de limitar-se a lamentar
a memória de épocas passadas, procuraram vivificar o tecido social e as suas
instâncias com a traditio eclesial
viva, testada nos séculos na crista da história, segundo o habitus da fé e da esperança cristã.
A empresa colocada diante da vida
consagrada pelo horizonte histórico no final do século XX exigiu audácia e
inventividade corajosa. Para isso, essa passagem epocal valeu como dedicação
profética, religiosamente motivada: muitos consagrados viveram com
comprometimento sério e, frequentemente, também com grave risco pessoal à nova
consciência evangélica de ter de ficar do lado dos pobres e dos últimos, compartilhando
valores e angústias.[35]
A
vida consagrada abre-se à renovação não porque segue iniciativas autônomas, nem
por mero desejo de novidade, e muito menos por retirada redutiva para as
urgências sociológicas. Principalmente, porém, por obediência responsável tanto
ao Evangelho criador, que “fala pelos profetas” (Cf. Credo Apostólico),[36], como às
solicitaçoes do Magistério da Igreja, expressas com força nas grandes
encíclicas sociais: Pacem in terris
(1963), Populorum progressio (1967), Octogesima adveniens (1971), Laborem exercens (1981), Caritas in veritate (2009). Tratou-se –
para relembrar o ícone da nuvem – de uma fidelidade à vontade
divina, manifestada através da voz autorizada da Igreja.
A visão do carisma como originado do
Espírito, orientado pela conformação a Cristo, marcado pelo perfil eclesial
comunitário, em desenvolvimento dinâmico na Igreja, motivou toda decisão de
renovação e deu progressivamente forma a uma verdadeira teologia do carisma, aplicada pela primeira vez de modo claro na
vida consagrada.[37]
O Concílio não relacionou explicitamente este termo à vida consagrada, mas
abriu caminho para isso fazendo referência a alguns testemunhos paulinos.[38]
Na exortação apostólica Evangelica testificatio, Paulo VI adota
oficialmente esta nova terminologia,[39] e escreve:
“Desta forma, insiste o Concílio e justamente, na obrigação dos religiosos e
das religiosas, de serem fiéis ao espírito dos seus fundadores, às suas
intenções evangélicas e ao exemplo da sua santidade, vendo nisso pricisamente
um dos princípios da renovação em curso e um dos critérios mais seguros daquilo
que cada instituto deveria empreender”.[40]
Esta Congregação, testemunha dessa
caminhada, acompanhou as várias fases de uma nova redação das Constituições dos Institutos. Foi um
processo que alterou equilíbrios de longa data, mudou práticas absoletas da
tradição,[41]
enquanto releu com novas hermenêuticas os patrimônios espirituais e
experimentou novas estruturas, até delinear de
novo programas e presenças. Nessa renovação,
ao mesmo tempo fiel e criativa, não podem ser caladas algumas dialéticas de
confronto e de tensão e inclusive dolorosas deserções.
A Igreja não parou o processo, mas o
acompanhou com um magistério pontual e uma sábia vigilância, declinando, no
primado da vida espiritual, sete temas principais: carisma fundacional, vida no
Espírito alimentada pela Palavra (lectio
divina), vida fraterna em comunhão, formação inicial e permanente, novas
formas de apostolado, autoridade de governo e atenção às culturas. A vida
consagrada nos últimos cinquenta anos foi medida por tais instâncias e caminhou
nelas.
A referência à “letra” do Concílio
permite “encontrar o seu verdadeiro espírito” para evitar interpretações
erradas.[42]
Somos chamados a juntos fazermos a memória de um acontecimento vivo no qual
nós, como Igreja, reconhecemos a nossa identidade mais profunda. Paulo VI, no
encerramento do Concílio Vaticano II, afirmava com mente e coração agradecidos:
“A Igreja entrou em si mesma, penetrou no íntimo de sua consciência espiritual
[...] para encontrar em si a palavra de Cristo, viva e operante no Espírito
Santo, e para sondar mais profundamente o mistério, ou seja, o desígnio e a
presença de Deus fora e dentro de si, e para reavivar em si o fogo da fé, que é
o segredo de sua segurança e da sua sabedoria, e reavivar o fogo do amor, que a
obriga a cantar sem descanso os louvores de Deus, porque, como diz Santo
Agostinho: ‘Cantar é próprio do amante’ (Ser. 336: PL 38), 11472). Os
documentos conciliares, principalmente os que tratam da Revelação divina, da
liturgia, da Igreja, dos sacerdotes, dos religiosos, dos leigos, permitem ver
diretamente esta primordial intenção religiosa e demonstram quão límpida,
fresca e rica é a veia espiritual que o vivo contato com Deus vivo faz brotar
no seio da Igreja e correr sobre as áridas glebas da nossa terra”.[43]
A mesma lealdade para com o Concílio
como acontecimento eclesial e como paradigma de estilo exige agora que se saiba
projetar com confiança para o futuro. Vive em nós a certeza de que Deus sempre
se põe a guiar o nosso caminho?
Na riqueza das palavras e dos gestos, a
Igreja orienta-nos a ler a nossa vida pessoal e comunitária no contexto todo do
plano de salvação para entender para qual direção orientar-nos, qual futuro
prefigurar; em continuidade com os passos dados até hoje nos convida a uma
redescoberta da unidade de confessio
laudis, fidei et vitae.
A memoria
fidei oferece-nos raízes de continuidade e perseverença: uma identidade
forte para reconhecer-nos parte de uma vicissitude, de uma história. A releitura
na fé do caminho percorrido não se detém nos grandes eventos, mas ajuda-nos a
reler a história pessoal, dividindo-a em etapas eficazes.
EM
VIGÍLIA VIGILANTE
Elias subiu até o cume do Carmelo
e se curvou até o chão,
pondo o rosto entre os joelhos...
“Enxergo uma pequena nuvem,
do tamanho da palma da mão.
Vem subindo do mar.”
1Rs 18,42.44
À escuta
6.
Procuremos mais luz na simbologia bíblica, pedindo
inspiração para o caminho de profecia e de exploração dos novos horizontes da
vida consagrada, que queremos agora considerar nesta segunda parte. A vida
consagrada, de fato, por sua natureza, é intrinsecamente chamada a um serviço
testemunhal que a coloca como signum in
Ecclesia.[44]
Trata-se de uma função que pertence a
cada cristão, mas na vida consagrada caracteriza-se pela radicalidade da sequela Christi [seguimento de Cristo] e
do primado de deus e, ao mesmo tempo, pela capacidade de viver a missão
evangelizadora da Igreja com parresia
e criatividade. Justamente São João Paulo II acentou que: “O testemunho
profético [...] exprime-se também com a denúncia de tudo o que é contrário à
vontade divina e com a exploração de novas maneiras de pôr o Evangelho em
prática na história, com vistas ao Reino de Deus”.[45]
Na tradição patrística o modelo bíblico
de referência para a vida monástica é o profeta Elias: tanto pela sua vida de
solidão e de ascese como pela paixão pela aliança e pela fidelidade à lei do
Senhor, como pela sua audácia em defender os direitos dos pobres (cf. IRs
17-19; 21). A exortação apostólica Vita
consecrata também lembrou isso em apoio da natureza e função profética, o manto que, simbolicamente, Elias deixou
cair sobre Eliseu no momento de seu arrebatamento ao céu (cf. 2Rs 2,13), é
interpretado como passagem do espírito profético do pai para o discípulo e
também como símbolo de vida consagrada na Igreja, que vive de memória e
profecia, sempre novas.
Elias, o tesbita, aparece de improviso
no cenário do reino do Norte, com a ameaça peremptória: “Nestes anos não cairá
nem orvalho nem chuva, a não ser quando eu mandar” (1Rs 17,1). Manifesta assim
uma rebelião da consciência religiosa diante da decadência moral à qual o povo
é conduzido pela prepotência da rainha Jezabel e pela indolência do rei Acab. A
sentença profética que fecha à força o céu é desafio aberto à função especial
de Baal e da fileira dos baalim, aos quais eram atribuídas
fecundidade e fertilidade, chuva e bem-estar. Daqui, como em grandes arcos, se
estende a ação de Elias em episódios que, mais que narrar uma história,
apresentam momentos dramáticos e de grande força inspiradora (cf. 1Rs 17-19.21;
2Rs 1-2).
Em cada passagem Elias vive
progressivamente o seu serviço profético, conhecendo purificações e iluminações
que caracterizam o seu perfil bíblico, até o auge do encontro com a passagem de
Deus na brisa suave e amena do Horeb. Estas experiências são inspiradoras
também para a vida consagrada. Também esta deve sair do refúgio solitário e
penitente no wadi do Carit cf. 1Rs
17,2-7) e ir ao encontro solidário com os pobres que lutam pela vida, como a
viúva de Serepta (cf. 1Rs 17,8-24); aprender da audácia genial representada
pelo desafio do sacrifício no Carmelo (1Rs 18,20-39) e pela intercessão pelo povo empobrecido pela
seca e pela cultura de morte (cf. 1Rs 18,41-46), até defender os direitos dos
pobres pisoteados pelos propotentes (cf. 1Rs 21) e prevenir contra as formas
idolátricas que profanam o santo nome de Deus (cf. 2Rs 1).
Página dramática é em particular a
depressão mortal de Elias no deserto de Bersabeia (1Rs 19,1-8): mas ali, Deus
oferecendo pão e água da vida, sabe transformar com delicadeza a fuga em
peregrinação para o monte Horeb (1Rs 19,9). É exemplo para as nossas noites
escuras que, como para Elias, precedem o esplendor da teofania da brisa suave
(1Rs 19,9-18) e preparam para novos
tempos de fidelidade, que se tornam histórias de chamamentos novos (como para
Eliseu: 1Rs 19,19-21), mas também infundem audácia para intervir contra a
justiça ímpia (cf. o assassinato do camponês Nabot: 1Rs 21,17-29). Enfim, nos
comove a saudação afetuosa às comunidades dos filhos dos profetas (2Rs 2,1-7)
que prepara para a saída final, no outro lado do Jordão, para o céu no carro de
fogo (2Rs 2,8-13).
Poderemos sentir-nos atraídos pelas
façanhas clamorosas de Elias, pelos seus protestos furiosos, pelas suas
acusações diretas e audazes, até a contenda com deus no Horeb, quando Elias
chega a acusar o povo de ter apenas projetos destrutivos e ameaçadores. Mas
pensemos que neste momento histórico podem falar mais a nós alguns elementos
menores, que são como pequenos sinais,
mas inspiram os nossos passos e as nossas escolhas de maneira nova nesta idade
contemporânea onde os rastos de Deus parecem desaparecer numa desertificação do
sentido religioso.[46]
O texto bíblico oferece numerosos
símbolos “menores”. Podemos acená-los: os recursos
escassos de vida no córrego de Carit, com aqueles corvos que obedecem a
Deus levando pão e carne ao profeta em gesto de misericórdia e solidariedade. A
generosidade, com risco da própria
vida, da viúva de Serepta, que tem só “um punhado de farinha e um pouco de
óleo” (1Rs 17,12) e os dá ao profeta faminto. A impotência de Elias diante do menino morto, e a sua dúvida gritada
unida ao seu abraço desesperado, que a viúva interpreta de modo teológico, como
revelação do rosto de um Deus compassivo. A longa luta do profeta prostrado na
intercessão – depois do clamoroso e um pouco teatral choque com os sacerdotes
de Baal sobre o Carmelo – implorando chuva sobre o povo esgotado pela
condenação à seca. Num jogo de equipe entre Elias, o rapaz que sobe e desce no
cume do monte e Deus, que é o verdadeiro senhor da chuva (e não Baal), chega
enfim a resposta de uma pequena nuvem,
do tamanho da palma da mão (cf. 1Rs 18,41). Uma resposta minúscula de Deus que,
no entanto, logo se torna uma grande chuva, restauradora para um povo agora no
limite.
Resposta igualmente pobre, mas eficaz,
serão alguns dias depois aquele pão e
aquele jarro de água que aparecem ao
lado do profeta em depressão mortal no deserto: é recurso que dá força para
caminhar “quarenta dias e quarenta noites até o monte de Deus, o Horeb” (1Rs
19,8). E lá, na caverna em que Elias se abriga, e ainda freme de revolta contra
o povo destruidor e sacrílego que ameaça a sua vida, assistirá à destruição do
seu imaginário de ameaça e de poder: o
Senhor não estava.., no vento impetuoso, no terremoto, no fogo, mas numa
“voz de silêncio sutil” (1Rs 19,21).
Uma página sublime para a literatura
mística, uma queda vertical na realidade para todo o “furor sagrado” do
profeta: deve reconhecer a presença de Deus além de todo imaginário
tradicional, que o aprisionava. Deus é sussurro e brisa, não é produto de nossa
necessidade de segurança e de sucesso, “não deixa rasto visível das suas
pegadas” (cf. Sl 77,20), mas está presente de maneira verdadeira e eficaz.
Com o seu furor e as suas emoções Elias
estava para arruinar tudo, iludindo-se de ser o único que permaneceu fiel. Mas
Deus sabia que havia outras sete mil testemunhas, havia profetas e reis prontos
a obedecer a ele (1Rs 19,15-19), porque a história de Deus não se identificava
com o fracasso do profeta deprimido e impetuoso. A história continua, porque
está nas mãos de Deus, e Elias deve ver com olhos novos a realidade, deixar-se
regenerar em esperança e confiança em Deus mesmo. Aquela posição curvada lá no
monte para implorar chuva, que se assemelha muito à criança nascitura no ventre
da mãe, é retomada simbolicamente também no Horeb com o esconder-se na caverna,
e agora é completada com um novo
nascimento do profeta, para caminhar ereto e regenerado nos caminhos misteriosos do Deus vivo.
Aos pés do monte o povo lutava ainda
contra uma vida que não era mais vida, uma religiosidade que era profanação da
aliança e nova idolatria. O profeta deve tomar sobre si aquela luta e aquele
desespero, deve “voltar sobre seus passos (1Rs 19,15), que agora são os de
Deus, atravessar de novo o deserto, que agora floresce com sentido novo, a fim
de que a vida triunfe e novos profetas e chefes prestem fidelidade à aliança.
A porofecia da
vida conforme o Evangelho
7.
O
tempo de graça que estamos vivendo com a insistência do Papa Francisco de
colocar no centro o Evangelho e o essencial cristão é para os consagrados e as
consagradas um novo chamado à vigilância para estar prontos para os sinais de
Deus. “À nossa fé é desafiada a entrever o vinho em que a água pode ser
transformada.”[47]
Lutemos contra os olhos pesados de sono (Cf. Lc 9,32), para não perder a
capacidade de discernir os movimentos da
nuvem, que guia o nosso caminho (Cf. Nm 9,17), e reconhecer nos sinais pequenos e frágeis a presença do
Senhor da vida e da esperança.
O Concílio nos deu um método, o método
da reflexão que se faz sobre o mundo e os acontecimentos humanos, sobre a
Igreja e a existência cristã, a partir da Palavra de Deus. Deus que se revela e
está presente na história. Esse método é sustentado por uma aptidão: a escuta,
que se abre ao diálogo, enriquece o caminho para a verdade, voltar à centralidade de Cristo e da Palavra de Deus,
como o Concílio[48]
e o sucessivo Magistério nos convidaram insistentemente a fazer,[49] de modo
bíblico teologicamente fundamentado, o que pode ser garantia de autenticidade e
de qualidade para o futuro da nossa vida de consagrados e consagradas.
Uma escuta que transforma e nos faz
tornar anunciadores e testemunhas das
intenções de Deus na história e da sua ação eficaz para a salvação. Nas
necessidades de hoje voltemos ao Evangelho, saciemos a sede nas Sagradas
Escrituras, nas quais se encontra a “fonte pura e perene da vida espiritual”.[50] De fato, como
bem dizia São João Paulo II, “Não há dúvida de que este primado da santidade e
da oração só é concebível a partir duma renovada escuta da Palavra de Deus”.[51]
Evangelho, regra
suprema
8.
Uma
das características da renovação conciliar para a vida consagrada foi a volta
radical à sequela Christi: “Desde os
princípios da Igreja, houve homens e mulheres que, pela prática dos conselhos
evangélicos, procuraram seguir Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de
perto, consagrando, cada um a seu modo, a própria vida a Deus”.[52]
Seguir Cristo, como é proposto no
Evangelho, é a “norma última da vida religiosa” e “a regra suprema”[53] de todos os
Institutos. Um dos primeiros nomes com que foi designada a vida monástica é
“vida evangélica”.
As diversas expressões de vida
consagrada dão testemunho de tal inspiração evangélica, a começar por Antão,
iniciador da vida solitária no deserto. A sua história inicia pela escuta da
Palavra de Cristo: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá aos
pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me” (Mt, 19,21).
De Antão em diante a tradição monástica
fará da Escritura a regra de sua vida: as primeiras regras são simples normas
práticas, sem nenhuma pretensão de conteúdos espirituais, porque a única regra
do monge é a Escritura, nenhuma outra regra é admissível: “tenhamos cuidado de
ler e aprender as Escrituras – escreve Orsiesi, discípulo e sucessor de Pacômio
– e de consagrar-nos incessantemente à sua meditação [...]. São as Escrituras
que nos guiam para a vida eterna”.[54]
Basílio, o grande mestre do monarquismo
do Oriente, quando redige o Asceticon[55], destinado a
se tornar o manual da vida monástica, recusa-se a chamá-lo de Regra. O seu ponto de referência são
antes os Moralia,[56] coletânea de
textos bíblicos comentados e aplicados às situações da vida em santa koinonia. No sistema basiliano o
comportamento dos monges é definido através da Palavra de Deus, o Deus que
perscruta coração e rins (cf. Ap, 2,23), sempre presente. Esta constante
presença diante do Senhor, memoria Dei,
é, talvez, o elemento mais específico da espiritualidade basiliana.
No Ocidente, o caminho vai na mesma
direção. A regra de Bento é obediente à Palavra de Deus: “Escutemos a voz de
Deus que cada dia se dirige a nós... .”[57] Ouve, ó filho:[58]
é a ouverture da Regula Benedicti,
porque é ouvindo que nos tornamos filhos e discípulos, acolhendo a Palavra nós
mesmos nos tornamos Palavra.
No século XII, Estêvão de Muret,
fundador da Ordem de Grandmont, exprime de maneira eficaz esse enraizamento no
Evangelho: “Se alguém vos perguntar de que profissão ou de que regra ou de que
ordem sois, respondei que sois da primeira e principal da religião cristã, quer
dizer, do Evangelho, fonte e princípio de todas as regras, não há outra regra
além do Evangelho”.[59]
O surgimento das ordens mendicantes
torna, se possível, o movimento de volta ao Evangelho ainda mais incisivo.
Domingos, “onde quer que se manifestasse
como homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras”,[60] era um
Evangelho vivo, capaz de anunciar o que vivia, e queria que fossem “homens
evangélicos”[61]
também os seus pregadores. Para Francisco de Assis a regra é “a vida do
Evangelho de Jesus Cristo”;[62] para Clara de
Assis: “A forma de vida da ordem das irmãs pobres [...] é esta: ‘observar o
santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo’”.[63] Na regra dos
carmelitas, o preceito fundamental é o de “meditar dia e noite a Lei do
Senhor”, para traduzir isso na ação concreta: “Tudo o que deveis fazer, fazei-o
na Palavra do Senhor”.[64] Tal
fundamento, comum a tantas famílias religiosas, permanece imutável com o passar
dos séculos.
Nos nossos tempos, Tiago Alberione
afirma que a Família Paulina “aspira a viver integralmente o Evangelho de Jesus
Cristo”, [65],
enquanto a pequena Irmã Magdeleine afirma: “Nós devemos construir uma coisa
nova. Uma coisa nova que é antiga, que é o autêntico cristianismo dos primeiros
discípulos de Jesus. É necessário que recuperemos o Evangelho palavra por
palavra”.[66]
Todo carisma de vida consagrada tem raízes no Evangelho. Evidente e
significativa é a paixão pela Palavra bíblica em muitas das novas comunidades
que florescem hoje em toda a Igreja.
Voltar ao Evangelho soa hoje para nós
como provocação, que nos reconduz à
fonte de toda a vida radicada em Cristo. Um convite poderoso a fazer, uma
caminhada para a origem, o lugar no qual a nossa vida toma forma, onde toda
regra e norma encontram inteligência e valor.
O Santo Padre exortou muitas vezes a
fiar-nos e confiar-nos a esta dinâmica
da vitalidade: “Convido-vos a nunca duvidar do dinamismo do Evangelho
nem da sua capacidade de convertar os corações para Cristo ressuscitado,e de
conduzir as pessoas ao longo do caminho da salvação que esperam no mais
profundo de si mesmas”.[67]
Formação: Evangelho
e cultura
9.
Formar
para o Evangelho e às exigências é um imperativo. Nessa perspectiva, somos
convidados a realizar uma revisão específica do paradigma formativo que
acompanha os consagrados e espeicalmente as consagradas no caminho para a vida.
A formação espiritual, muito frequentemente limitada quase a simples
acompanhamentos psicológicos ou a exercícios de piedade padronizados, tem
caráter de urgência.
A pobreza repetitiva de conteúdos vagos
bloqueia os candidatos em níveis de amadurecimento humano infantil e
dependente. A rica variedade das vias seguidas e propostas pelos autores
espirituais permanece quase desconhecida para leitura direta, ou é referida
apenas por fragmentos. É indispensável vigiar a fim de que o patrimônio dos
Institutos não seja reduzido a esquemas apressados, distante da carga vital das
origens, porque não introduz adequadamente na experiência cristã e carismática.
Num mundo em que a secularização se
tornou cegueira seletiva em relação ao sobrenatural e os homens perderam os
vestígios de Deus,[68] somos
convidados à redescoberta e ao estudo das verdades fundamentais da fé.[69] Quem presta o
serviço da autoridade é chamado a favorecer para todos os consagrados e as
consagradas um conhecimento fundado e coerente da fé cristã, sustentado por um
novo amor ao estudo. São João Paulo II exortava: “No seio da vida consagrada há
necessidade de um renovado amor pelo
empenho cultural, de dedicação ao estudo”.[70] É motivo de
profundo pesar que tal imperativo não seja sempre acolhido e ainda menos
recebido como exigência de reforma radical para os consagrados e, em
particular, para as mulheres consagradas.
A debilidade e a fragilidade de que
sofre este âmbito exigem que se reforce e relembre a necessidade da formação
contínua para uma vida autêntica no Espírito e para manter-se abertos
mentalmente e coerentes no caminho de crescimento e de fidelidade.[71] Certamente,
não falta, em linha de princípio, uma adesão formal a tal urgência e se revela
um vasto consenso na pesquisa científica sobre o tema, mas na verdade a praxe
seguida é frágil, escassa e, frequentemente, incoerente, confusa,
descomprometida.
“Testemunha do Evangelho – recorda o
Papa Francisco – é alguém que encontrou Jesus Cristo, o que conheceu, ou
melhor, que se sentiu por ele conhecido,
reconhecido, respeitado, amado e perdoado; e este encontro sensibilizou-o em
profundidade, enchendo-o de uma alegria nova, de um significado renovado para a
sua vida. E isto transparece, comunica-se, transmite-se aos outros.”[72]
A Palavra, fonte genuína de
espiritualidade[73]
pela qual atingir a sublimidade do
conhecimento de Cristo Jesus (Fl 3,8), deve habitar o dia a dia da nossa
vida. Só assim o seu poder (cf. 1Ts
1,5) poderá penetrar nas fragilidades do humano, fermentar e edificar os
lugares da vida em comum, retificar os
pensamentos, os afetos, as decisões, os diálogos feitos nos espaços fraternos. Seguindo
o exemplo de Maria, a escuta da Palavra deve tornar-se respiração de vida a
cada instante da existência.[74] Deste modo a
nossa vida converge na unidade da pensamento, reaviva-se na inspiração por uma
renovação constante, frutifica na criatividade apostólica.[75]
O apóstolo Paulo pedia ao discípulo
Timóteo para buscar a fé (cf. 2Tm
2,22) com a mesma constância de quando era menin (cf. 2Tm 3,15), em primeiro
lugar permanecendo firme naquilo que tinha aprendido, ou seja, nas Sagradas Escrituras: “Toda
Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para repreender, para
corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
capacitado para toda obra boa” (2Tm 3,16-17). Ouçamos este convite como
dirigido a nós, para que ninguém se torne negligente na fé (cf. Hb 6,12). Ela é
companheira de vida que permite perceber com olhar sempre novo as maravilhas
que Deus realiza por nós e orienta-nos para uma resposta obediente e
responsável.[76]
O Evangelho, a norma ideal da Igreja e
da vida consagrada, deve representar a sua normalidade na prática, o seu estilo
e o seu modo de ser. Este é o desafio que o Papa Francisco relança. Convidando
a um reequilíbrio eclesiológico entre a Igreja como corpo hierárquico e a Igreja
como Corpo de Cristo, que oferece os
elementos para realizar esta operação, que pode acontecer apenas in corpore vivo da Igreja, ou seja, de
nós e através de nós. Evangelizar não significa levar uma mensagem reconhecida
útil pelo mundo, nem presença que se impõe, nem visibilidade que ofende, nem
esplendor que ofusca, mas anúncio de “Jesus Cristo esperança em nós” (c. Cl
1,27-28), feito com “palavras de graça” (Lc 4,22), com uma “conduta boa entre
os homens” (!Pd 2,12) e com “a fé que atua por meio do amor” (Gl 5,6).
A profecia da
vigilância
10.
No
encerramento da Assembleia Conciliar, o Papa Paulo VI – com olhar de profecia –
despedia-se dos bispos reunidos em Roma unindo tradição e futuro: “Neste
encontro universal, neste ponto privilegiado do tempo e do espaço, convergem
simultaneamente o passado, o presente e o futuro. O passado, porque está aqui
reunida a Igreja de Cristo, com a sua tradição, a sua história, os seus concílios, os seus doutores
e os seus santos. O presente, porque saímos de nós próprios para nos dirigirmos
ao mundo atual, com as suas misérias, as suas dores, os seus pecados, mas
também os seus empreendimentos prodigiosos, os seus valores e as suas virtudes.
E, por fim, o futoro encontra-se representado pelo apelo imperiosos dos povos a
uma maior justiça, no seu desejo de paz,
na sua sede consciente ou inconsciente duma vida mais alta: precisamente aquela
que a Igreja de Cristo lhes pode e deseja dar”.[77]
Papa Francisco nos encoraja com paixão a
prosseguir com passo veloz e alegre a caminhada: “Guiados pelo Espírito, nunca
rígidos, numca fechados, sempre abertos à voz de Deus que fala, que abre, que
conduz, que nos convida a seguir para o verdadeiro horizonte”.[78]
Quais terras estamos habitando e quais
horizontes nos é dado perscrutar?
Papa Francisco convida a acolher o hoje
de Deus e as suas novidades,
convida-nos às “surpresas de Deus”[79] na fidelidade,
sem medo nem resistências, para “ser profetas que testemunhem como Jesus é
vivido nesta terra, que anunciem como o Reino de Deus erá na sua perfeição. Um religioso
nunca deve renunciar à sua profecia”.[80]
Rossoa para nós o convite a continuar a
caminhada levando no coração as expectativas do mundo. Percebemos a sua leveza
e o seu peso, enquanto perscrutamos a chegada imprevisível da nuvenzinha. Germe humilde de uma Notícia
que não pode ser calada.
A vida consagrada vive um tempo de
passagens exigentes e de necessidades novas. A crise é o estado em que se é
chamado ao exercício evangélico do discernimento, é a oportunidade de escolher
com sabedoria – como o escriba, “que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”
(Cf. Mt, 13-52) – enquanto recordamos que a história é tentada a conservar mais
do que um dia poderá ser utilizado. Corremos o risco de conservar “memórias”
sacralizadas que tornam menos ágil a saída da caverna das nossas seguranças. O Senhor nos ama “com afeto eterno”
(cf. Is 54,8): essa confiança nos chama para a liberdade.
Unidos para
perscrutar o horizonte
11.
Uma
velada acédia enfraquece, às vezes, o
nosso espírito, ofusca a visão, esgota as decisões e entorpece os passos,
conjugando a identidade da vida consagrada sobre um paradigma envelhecido e a
utorrefencial, sobre um horizonte breve: “Desenvolve-se a psicologia do túmulo,
que, pouco a pouco, transforma os cristãos em múmias de museu”.[81] Contra esta
inércia do espírito e do agir, conra esta desmotivação que entristece e
extingue alma e vontade, já Bento XVI exortara: “’Não vos unais aos profetas da
desgraça que proclamam o fim ou o não sentido da vida consagrada na Igreja dos
nossos dias; mas sim vesti-vos de Jesus Cristo e usais as armas da lu\ - como
exorta São Paulo (cf. Rm 13,11-14) –, permanecendo despertos e vigilantes’. São
Cromácio d Aquileia escreveu: ‘Senhor, salva-nos do perigo para que jamais nos
deixemos sobrecarregar pelo sono da infidelidade; mas nos conceda a sua graça e
sua misericórdia, para que possamos vigiar sempre na fidelidade a ele. De fato,
a nossa fidelidade está em Cristo’ (Sermão 32,4)”.[82]
A vida consagrada atravessa um vau, mas
não pode permanecer assim de modo permanente. Somos convidados a realizar a
passagem – Igreja em saída é uma das
expressões típicas do Papa Francisco – como kairós
que exige renúncias, que pede que se deixe aquilo que se conhece e se empreenda
um percurso longo e nada fácil, como Abraão para a terra de Canaã (cf. Gn
12-1-6), como Moisés para uma terra misteriosa, legada aos patriarcas (cf. Ex
3,7-8), como Elias para Serepta de Sidônia: todos para terras misteriosas
divisadas apenas na fé.
Não se trata de responder à pergunta se
o que fazemos é bom: o discernimento olha para os horizontes que o Espírito
sugere à Igreja, interpreta a roçadura das estrelas da manhã sem saída de
emergência, sem atalhos improvisados, deixa-se levar a coisas grandes através
de sinais pequenos e frágeis, colocando em jogo os recursos fracos. Somos
chamados a uma obediência comum que se faz fé no presente para prosseguir
juntos com “a coragem de lançar as redes na força da sua palavra (cf. Lc 5,5) e não de motivações humanas apenas”.[83]
A vida consagrada, alimentada parra a
esperança da promessa, é chamada a prosseguir a caminhada sem deixar-se
condicionar por aquilo que se deixa para trás: “Eu não julgo ter já alcançado a
meta, mas, esquecendo o que fica para trás, avanço para o que está na frente”
(Fl 3,13-14). A esperança não está edificada sobre as nossas forças e sobre os
nossos números, mas sobre os dons do Espírito: a fé, a comunhão, a missão. Os
consagrados são um povo tornado livre pela profissão dos conselhos do
Evangelho, disposto a olhar na fé para além do presente, convidando a “alargar
sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós”.[84]
O horizonte de chegada deste caminho é
marcado pelo ritmo do Espírito, não é uma terra desconhecida. Abrem-se diante
da nossa caminhada novas fronteiras, realidades novas, outras culturas,
necessidades diversas, periferias.
Em imitação do jogo de equipe do profeta
Elias e do seu servo, é preciso recolher-se em oração com um sentido de paixão
e compaixão pelo bem do povo que vive cenários de perda e, muitas vezes, de
dor. É urgente também o serviço generoso e paciente do servo, que sobe para
examinar o mar, até colher o pequeno ‘sinal’ de uma história nova, de uma
“grande chuva”. Aquela brisa suave
pode ser identificada hoje com tantos desejos inquietos dos nossos
contemporâneos que buscam interlocutores sábios, pacientes companheiros de
caminho, capazes de acolhida desarmada no coração, facilitadores e não
controladores da graça, para novos tempos de fraternidade e salvação.[85]
Um guia “atrás
do povo”
12.
É
indispensável, outrossim, que o êxodo seja feito junto, conduzido com
simplicidade e clareza por quem serve em autoridade na busca do rosto do Senhor
como vontade primeira. Convidamos quem é chamado a tal serviço a exercê-lo em
obediência ao Espírito, com coragem e constância, a fim de que a complexidade e
a transição sejam geridas e o passo não seja atrasado ou parado.
Exortamos a uma liderança que não deixe
as coisas como estão,[86] que afaste “a
tentação de deixar tudo de lado e de considerar inútil todo e qualquer esforço
para melhorar uma situação. Perfila-se, então, o perigo de se criarem
admnistradores da rotina, resignados à mediocridade, inibidos para intervir,
privados de coragem de apontar as metas da autêntica vida consagrada e correndo
o risco e enfraquecer o amor das origens e o desejo de testemunhá-lo”.[87]
Corre o tempo das pequenas coisas, das
humildade que sabe oferecer alguns poucos pães e dois peixes à bênção de Deus
(cf. Jo 6,9), que sabe divisar na nuvem
pequena como a palma da mão o excesso da chuva. Não somos chamados a uma
liderança preocupada e admnistrativa, mas a um serviço de autoridade que
oriente com clareza evangélica o caminho a fazer juntos e na unidade de
coração, dentro de um presente frágil no qual o futuro vive a sua gestação. Não
nos serve uma “simples administração”,[88] é preciso
“caminhar atrás do povo, para ajudar aqueles que ficaram para trás e –
sobretudo – porque o rebanho possui o seu olfato para encontrar novos
caminhos”.[89]
Uma liderança que acolha e encoraje com
ternura simática os olhares dos irmãos e das irmãs, também daqueles que forçam
o passo ou freiam a andadura, ajudando-os a superar pressa, medos e atitudes
renunciatárias. Pode haver quem volte ao passado, quem sublinhe com nostalgia
as suas diferenças, quem rumine em silêncio ou levante dúvidas acerca da
escassez de meios, recursos, pessoas. “Não fiquemos encalhados na nostalgia de
estruturas e costumes que já não são fonte de vida no mundo atual”.[90]
Pode-se perceber o eco do servo de Elias
que repete, ao perscrutar o horizonte: “Não há nada”! (1Rs 18,43). Somos
chamados à graça da paciência, a esperar e voltar a perscrutar o céu até sete
vezes, todo o tempo necessário, a fim de que a caminhada de todos não pare por
indolência de alguns: “Para os fracos, fiz-me fraco, a fim de ganhar os fracos.
Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo. E isto tudo eu
faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante” (1Cor 9,22-23).
Seja-nos dado saber orientar a caminhada
fraterna para a liberdade segundo os ritmos e os tempos de Deus. Perscrutar
juntos o céu e vigiar significa ser chamados todos – pessoas, comunidades,
insitutos – à obediência para “entrar em ‘outra’ ordem de valores, captar um
sentido novo e diferente da realidade, crer que Deus passou embora não tenha
deixado pegadas visíveis, mas o
tenhamos percebido como voz de silêncio
sonoro,[91]
que impele a experimentar uma liberdade impensável, chegar às portas do
mistério: “Pois os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, e vossos
caminhos não são os meus, oráculo do Senhor”[92] (Is 55,8).
Neste êxodo que amedronta a nossa lógica
humana – que exigiria metas claras e caminhos experimentados – ressoa uma
pergunta: quem fortalecerá os nossos joelhos
vacilantes (cf. Is 35,3)?
A ação do Espírito nas situações
complexas e bloqueadas faz-se presente no coração como aquela que simplifica,
evidencia prioridades e oferece sugestões para prosseguir para as metas a que
quer conduzir-nos. É oportuno partir sempre dos sopros de alegria do Espírito,
ele “intercede com gemidos inexprimíveis [,,,] pelos santos segundo os
desígnios de Deus” (Rm 8,26-27). “Não há maior liberdade do que a de se deixar
condizir pelo Espírito, remunciando a calcular e controlar tudo, e permitindo
que ele nos ilumine, guie, dirija e impulsione para onde ele quiser. O Espírito
Santo bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento. A isto se chama
ser misteriosamente fecundos!”[93]
A mística do
encontro
13.
“Quais
‘sentinelas’ que mantêm vivo no mundo o desejo de Deus e o despertam no coração
de tantas pessoas com sede de infinito”,[94] somos
convidados a ser buscadores e testemunhas de projetos de Evangelho visíveis e
vitais. Homens e mulheres com fé forte, mas também com capacidade de empatia,
de proximidade de espírito criativo e criador, os quais não podem limitar o
espírito e o carisma nas estruturas rígidas e no medo de abandoná-las.
Papa Francisco nos convida a viver a
“mística do encontro”: “A capacidade de ouvir, de escutar outras pessoas. A
capacidade de procurar juntos o caminho, o método, [...] significa também não
se assustar, não se apavorar com as coisas”.[95]
“Se cada um de vós – continua o Santo
Padre – é para os outros uma possibilidade preciosa de encontro com Deus,
trata-se de redescobrir a responsabilidade de ser profecia como comunidade, de
procurar juntos, com humildade e com
paciência, uma palavra de sentido que pode ser um dom para o país e para a
Igreja, e dela dar testemunho de simplicidade. Vós sois como antenas prontas a colher os germes de
novidade suscitados pelo Espírito Santo, e podeis ajudar a comunidade eclesial
a assumir este olhar de bem e encontrar caminhos novos e corajosos para
alcançar todos”.[96]
Um paradigma conciliar foi a solicitude pelo mundo e pelo homem.
Dado que o homem – não o homem abstrato, mas o homem concreto – “é o primeiro
caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento da sua missão”,[97] o compromisso
para com os homens e as mulheres do nosso tempo permenece primordial. O
compromisso é o mesmo de sempre, com uma imaginação sempre renovada: na educação, na saúde, na catequese, no
acompanhamento constante do homem com as suas necessidades, as suas aspirações,
as suas perdas. Em seu aspecto físico, na sua realidade social, o homem é o
caminho da evangelização. A vida consagrada deslocou-se para as periferias das
cidades, realizando um verdadeiro “êxodo” rumo aos pobres, dirigindo-se par ao
mundo dos abandonados. Devemos reconhecer a generosidade exemplar, mas também
que não faltaram tensões e riscos de ideologização, sobretudo nos primeiros
anos pós-conciliares.
“Aquela antiga história do bom
samaritano – dizia Paulo VI no discurso de encerramento do Concílio – foi
exemplo e norma segundo os quais se orientou o nosso Concílio. Com efeito, um
imenso amor para com os homens penetrou totalmente o Concílio. A descoberta e a
consideração renovada das necessidades humanas (que são tanto maiores quanto
maior se torna o filho desta terra) absorveram toda a atenção deste Concílio.
Vós, humanistas modernos, que negais as verdades transcendentes, dai ao Concílio
ao menos este louvor e reconhecei este nosso humanismo novo: também nós, e nós mais do que ninguém, somos cultores do
homem”.[98]
A nossa missão coloca-se na perspectiva
desta “simpatia”, na perspectiva da centralidade da pessoa que saber partir
do humano. Faz emergir toda a riqueza e
verdade de humanidade que o encontro com Cristo exige e favorece, ao mesmo
tempo que nos introduz na compreensão de
que os recursos eclesiais são importantes justamente enquanto recursos de
verdadeira humanidade e de promoção
humana.[99]
Mas que homem e que mulher temos hoje diante de nós? Quais os desafios e as
atualizaçoes necessários para uma vida consagrada que queira viver com o mesmo
“estilo” do Concílio, ou seja, em atitude de diálogo e de solidariedade, de
profunda e autêntica “simpatia” com os
homens e as mulheres de hoje e a sua cultura, o seu “ouvir” interior, a
sua autoconsciência, as suas coordenadas morais?
Movidos pelo Espírito de Cristo somos
chamados a reconhecer o que é verdadeiramente humano. A nossa ação não se
limita a uma identidade social, semelhante a uma ONG piedosa, como várias vezes
o Papa Francisco repetiu, [100] com a
finalidade de construir uma sociedade mais justa, mas secularizada, fechada à
transcendência e, enfim, também não
justa. Os objetivos de promoção social estão inseridos no horizonte que
evidencie e guarde o testemunho do Reino e a verdade do humano.
No nosso tempo, dominado pela
comunicação pervasiva e global e, ao mesmo tempo, pela incapacidade de
comunicar com autenticidade, a vida consagrada é chamada a ser sinal da
possibilidade de relações humanas acolhedoras, transparentes, sinceras. A
Igreja, na fraqueza e na solidão alienante e autorreferencial do humano, conta
com as fraternidades ricas “de alegria e de Espírito Santo” (At 13,52).[101] Specialis caritatis schola,[102]
a vida consagrada, nas suas múltiplas formas de fraternidade, é plasmada
pelo Espírito Santo, porque “onde está a comunidade, aí está o Espírito de
Deus; e onde está o Espírito de Deus, aí está a comunidade e toda graça”.[103]
Consideremos a fraternidade como lugar
rico de mistério e “espaço teologal, onde se pode experimentar a presença
mística do Senhor ressuscitado”.[104] Percebe-se
uma defasagem entre este mistério e a vida cotidiana: somos convidados a passar
da forma de vida em comum parra a graça da fraternidade. Da forma comunis para a relacionalidade humana na
forma evangélica na força da caridade de Deus derramada nos corações por meio
do Espírito Santo (cf. Rm 5,5).
Papa Francisco nos admoesta: “Por isso
me dói muito comprovar como em algumas comunidades cristãs, e mesmo entre
pessoas consagradas, se dá espaço a várias formas de ódio, divisão, calínia,
difamação, vingança, ciúme, a desejos de impor as próprias ideias a todo custo,
e até perseguições que parecem uma implacável caça às bruxas. Quem queremos
evangelizar com estes comportamentos? [...] Ninguém se salva sozinho, isto é,
nem como indivíduo isolado nem por suas proóprias forças. Deus atrai-nos, no
respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade
humana supõe”.[105]
Somos chamados então a reconhecer-nos como fraternidade aberta
para a complementariedade do encontro na convivência das diferenças, para
prosseguir unidos: “Uma pessoa que conserva a sua peculiaridade pessoal e não esconde
a sua identidade – exorta Papa Francisco –, quando se integra cordialmente numa
comunidade não se aniquila, mas recebe sempre novos estímulos para o seu
próprio desenvolvimento”.[106] O estilo do
“diálogo” que é “muito mais do que a comunicação de uma verdade. Realiza-se
pelo gosto de falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras
entre aqueles que se amam. É um bem que não consiste em coisas, mas nas
próprias pessoas que mutuamente se dão no diálogo”.[107] Recordando
que “o clima do diálogo é a amizade. Ou melhor, o serviço”.[108]
As nossas fraternidades são lugares nos
quais o mistério do humano toca o mistério divino na experiência do Evangelho.
São dois os “lugares” em que, de maneira privilegiada, o Evangelho se
manifesta, toma corpo, dá-se: a família e a vida consagrada. No primeiro lugar
o Evangelho entra na cotidianidade e mostra a sua capacidade de transfigurar a
sua vivência no horozinte do amor. O segundo sinal, ícone de um mundo futuro
que relativiza todo bem deste mundo, faz-se lugar complementar e especular ao
primeiro, enquanto se mostra antecipadamente o cumprimento da caminhada da vida
e tornam-se relativas à comunhão final com Deus todas as experiências humanas,
também aquelas mais bem-sucedidas.[109]
Tornamo-nos “lugar do evangelho” quando
garantimos para nós e a favor de todos o espaço do cuidado de Deus, impedimos
que o tempo todo seja cheios de coisas, de atividades, de palavras. Somos
lugares de Evangelho, quando somos mulheres e homens de desejo à espera de um
encontro, de uma reunião, de uma relação. Por isso é essencial que os nossos
ritmos de vida, os ambientes das nossas fraternidades, todas as nossas
atividades se tornem espaço de custódia de uma ‘ausência’, que é presença de
Deus.
“A comunidade sustém todo o apostolado.
Às vezes, as comunidades religiosas são imbuídas por tensões, com o risco do
individualismo e da dispersão, mas são
necessárias comunicação profunda e relações autênticas. A força
humanizadora do Evangelho é testemunhada pela fraternidade vivida em
comunidade, feita de acolhimento, respeito, ajuda recíproca, compreensão,
amabilidade, perdão e alegria”.[110] Deste modo a
comunidade se torna casa na qual se vive a diferença evangélica. O estilo do
Evangelho, humano e sóbrio, se manifesta na busca que aspira à transfiguração;
no celibato pelo Reino; na procura e na escuta de Deus e da sua Palavra:
obediência que monstra a diferença cristã. Sinais eloquentes num mundo que
torna a buscar o essencial.
A comunidade que se senta à mesa e
reconhece o Cristo no partir do pão (cf. Lc 24,13-35) é também lugar no qual
cada um reconhece as fragilidades. A fraternidade não produz a perfeição nas
relações, mas acolhe o limite de todos e o leva no coração e na oração como
ferida infligida ao mandamento do amor
(cf. Jo, 13,31-35): lugar onde o mistério pascal realiza a cura e fermenta a
unidade. Acontecimentos de graça invocado e recebido por irmãs e irmãos que
estão juntos não por escolha, mas por chamado, experiência da presença do
Ressuscitado.
A
profecia da mediação
14.
As
famílias religiosas nasceram para inspirar caminhos novos, oferecer percursos
imprensados ou responder com agilidade às necessidades humanas e do espírito.
Pode acontecer que a institucionalização como tempo fique carregada de
“prescrições absoletas”[111] e que as
exigências sociais convertam as respostas evangélicas em respostas medidas pela
eficiência e pela racionalidade “de empresa”. Pode acontecer que a vida
consagrada perca a respeitabilidade, a audácia carismática e a parresia evangélica, porque é atraída
por luzes estranhas à sua identidade.
Papa Francisco nos convida à fidelidade
criativa, às surpresas de Deus: “Jesus Cristo pode romper também os esquemas
enfadonhos em que pretendemos aprisioná-lo, e surpreende-nos com a sua
constante criatividade divina. Sempre que procuramos voltar à fonte e recuperar
o frescor original do Evangelho, despontam novos caminhos, métodos criativos,
outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado
significado para o mundo atual. Na realidade, toda a criação evangelizadora
autêntica é sempre ‘nova’”.[112]
Novas
encruzilhadas do mundo
15.
O
Espírito nos chama a modular o servitium
caritatis segundo o sentir da Igreja. A caridade “empenha-se na construção
da ‘cidade do homem’ segundo o direito e a justiça. Por oturo lado, a caridade
supera a justiça e completa-a com a
lógica do dom e do perdão. A ‘cidade do homem’ não se move apenas por relações
feitas de direito e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de
gratuidade, misericórdia e comunhão”,[113] e o
Magistério nos introduz em uma compreensão mais ampla: “O risco do nosso tempo é que, à real interdependência
dos homens e dos povos, não corresponda
a interação ética das consciências e das inteligências, da qual possa resultar
um desenvolvimento verdadeiramente humano. Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é possível alcançar objetivos de
desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora”.[114]
Outras
coordenadas do Espírito nos chamam a reforçar cidadelas nas quais o pensamento
e o estudo possam guardar a identidade humana e o seu rosto de graça no fluxo
das conexões digitais e dos mundos de network,
que exprimem uma condição real e espiritual do homem contemporâneo. A
tecnologia infunde e ao mesmo tempo
comunicade necessidades e estimula os desejos que o homem concebeu desde
sempre: somos chamados a habitar estas terras inexploradas para narrar aí o
Evangelho: “Neste tempo em que as redes e demais instrumentos de comunicação
humana alcançaram progressos inauditos, sentimos o desafio de descobrir e
transmitir a ‘mística’ de viver juntos, misturarmo-nos, encontrarmo-nos, darmos
o braço, apoiarmo-nos, participarmos nesta maré um pouco caótica que pode
transformar-se numa verdadeira experiência de fraternidade, numa caravana
solidária, numa peregrinação sagrada.”[115]
Somos convidados
a armar ágeis tendas nas encruzilhadas das veredas não batidas, a ficar no
limitar, como o profeta Elias, que fez da geografia de periferia um recurso de
revelação: para o Norte a Serepta, para o Sul ao Horeb, para o Leste além do
Jordão para a solidão penitencial e,
enfim para a subida ao céu. O limiar é o lugar onde o Espírito geme;
onde nós não sabemos mais o que dizer, nem orientar as nossas expectativas, mas
onde o Espírito conhece os desígnios de
Deus (Rm, 8,27) e os dá a nós. Às vezes corre-se o risco de atribuir às vias
do Espírito os nossos mapas já traçados anteriormente, porque a repetição dos
caminhos nos tranquiliza. Papa Bento abre para a visão de uma Igreja que cresce
por atração,[116] ao passo que Papa
Francisco sonha com “uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que
os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial
se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à
autopreservação em atitude constante de ‘saída’ e, assim, favoreça a resposta
positiva de todos aqueles a quem Jesus favorece a sua amizade”.[117]
A alegria do
Evangelho nos pede para estabelecer uma espiritualidade como arte da busca que
explora metáforas alternativas, imagens novas e cria perspectivas inéditas.
Partir com humildade da ex periência de Cristo e do seu Evangelho, ou seja, do
saber experiencial e, muitas vezes,
desarmado como o de Davi diante de Golias. O poder do Evangelho, experimentado
em nós como salvação e alegria, nos
habilita a usar com sabedoria imagens e símbolos adaptados a uma cultura que fagocita acontecimentos, pensamentos,
valores, restituindo-os em contínuos “ícones” sedutores, eco de “uma profunda
nostalgia de Deus, que se manifesta de modos diferentes e põe numerosos homens
e mulheres em atitude de sincera busca”.[118]
No passado, um
dos temas vigorosos da vida espiritual era o símbolo da viagem ou da subida: não
ao espaço, mas para o centro da alma. Esse processo místico colocado no
fundamento da vida do espírito encontra hoje outras instâncias de valor às
quais oferece luz e significado. A oração, a purificação, o exercício das
virtudes se relacionam coma solidariedade, a inculturação, o ecumenismo espiritual, a nova antropologia,
buscando nova hermenêutica e, segundoa antiga traditio patrística, novos caminhos mistagógicos.
Os consagrados e
consagradas, peritos no Espírito e
conscientes do homem interior no qual habita Cristo, são convidados a se moverem ao longo destes caminhos,
opondo-se ao diabólico que divide e
separa e libertando o simbólico, ou
seja, o primado da ligação e da relação presente na complexidade da realidade
criada, “o desígnio de recapitular em Cristo todas as coisas, as do céu e as da
terra” (Ef 1,10).
Onde estarão os
consagrados? Livres de vínculos por causa da forma evangélica de vida que
professam, poderão ficar – como sentinelas – na beira do caminho onde o olhar
se faz mais nítido, mais agudo e humilde o pensamento? A vida consagrada toda
poderá acolher o desafio das perguntas que vêm dos cruzamentos dos caminhos do
mundo?
A experiência
dos pobres, o diálogo inter-religioso e intercultural, a complementariedade
homem-mulher, a ecologia num mundo doente, a eugenética sem freios, a economia
globalizada, a comunicação planetária, a linguagem simbólica são os novos horizontes hermenêuticos que não se
podem simplesmente enumerar, mas são habitados e fermentados sob a guia do
Espírito que geme em tudo (cf. Rm
8,22-27). São percursos que de tempos em tempos questionam sistemas de valores,
linguagens, prioridades, antropologias. Milhoes de pessoas estão a caminho
através de mundos e civilizações, desestabilizando identidades seculares e
favorecendo misturas de culturas e de religiões.
A vida
consagrada saberá tornar-se interlocutora acolhedora “daquela busca de Deus que
desde sempre agita o coração do homem”?[119] Poderá
dirigir-se – como Paulo – à praça de Atenas e falar do Deus desconhecido aos
gentios (At, 17,22-34)? Saberá alimentar o ardor do pensamento para reavivar o
valor da alteridade e da ética das diferenças na convivência pacífica?
Nas suas
diversas formas a vida consagrada já está presente nessas encruzilhadas. Há
séculos, in primis os mosteiros, as
comunidades e as fraternidades em territórios de limite vivem o testemunho silencioso,
lugar de Evangelho, de diálogo, de encontro. Muitos consagrados e consagradas,
também, habitam o dia a dia dos homens e das mulheres de hoje, compartilham
alegrias e dores, na animação da ordem temporal, com a sabedoria e a audácia de
“encontrar caminhos novos e corajosos para alcançar todos” em Cristo,[120] e “ir além,
não só além, mas mais além e no meio, lá onde tudo está em questão”.[121]
Os consagrados e
as consagradas no limiar são chamados
a abrir “clareiras”, omo há muito tempo
se abriam espaços no meio das matas para fundar cidades. As consequências de
tais escolhas – como sublinha Papa Francisco – são incertas, obrigam-nos sem
dúvida a uma saída do centro para as periferias, a uma redistribuição das
forças nas quais não predominem a salvaguarda do status quo e a valorização do lucro, mas a profecia das escolhas
evangélicas. “O carisma não é uma garrafa de água destilada. É preciso vivê-lo
com energia, relendo-o também culturalmente”.[122]
No sinal do
pequeno
16.
Continuamos
a nossa viagem tecendo mediações no sinal humilde do Evangelho: “Não perder
nunca o ímpeto de caminhar pelos caminhos do mundo, a consciência de que
caminhar, andar também com passo incerto ou mancando, é sempre melhor do que
estar parado, fechado em suas perguntas ou nas suas seguranças”. [123]
Os ícones que
meditamos – desde a nuvem que
acompanhava o êxodo atá as vicissitudes do profeta Elias – revelam-nos que o
Reino de Deus se manifesta entre nós no s ignodo pequeno. “Acreditamos no
Evangelho que diz que o Reino de Deus já está presente no mundo, e vai-se
desenvolvendo cá e lá, de várias maneiras: como a pequena semente que pode
chegar a transformar-se uma grande massa (cf Mt 13,33) e como a boa semente que
cresce no meio do joio (cf. Mt 13,24-30) e sempre nos pode surpreender positivamente”.
[124]
Quem se detém na
autorreferencialidade, frequentemente, tem imagem e conhecimento apenas de si
mesmo e do seu horizonte. Quem se limita à margem pode intuir e favorecer um
mundo mais humilde e espiritual.
Os pequenos
novos da fé brotam hoje em lugares humildes, no signo de uma Palavra que, se
for ouvida e vivida, leva à redenção. Os institutos de vida consagrada e as
sociedades de vida apostólica que realizam escolhas a partir dos pequenos sinais interpretativos na fé e na
profecia que sabe intuir o além,
tornam-se lugar de vida, onde resplandece a luz e soa o convite que chama
outros a seguir a Cristo.
Plantemos um
estilo de obras e de presenças pequenas e humildes como e evangélico grão de
mostarda (cf. Mt 13,31-32) no qual brilhe sem fronteiras a intensidade do
sinal: a palavra corajosa,a fraternidade alegre, a escuta da voz fraca, a
memória da casa de Deus entre os homens. É preciso cultivar “um olhar
contemplativo, isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas
casas, nas suas ruas, nas suas praças. A presença de Deus acompanha a busca
sincera que individuos e grupos efetuam para encontrar apoio e sentido parra a
sua vida. Ele vive entre os cidadãos promovendo a solidariedade, a
fraternidade, os desejo de bem, de verdade, de justiça. Esta presença não
precisa ser criada, mas descoberta, desvendada”.[125]
A vida
consagrada encontra a sua fecundidade não apenas ao testemunhar o bem, mas ao
reconhecê-lo e saber indicá-lo, especialmente onde não se costuma vê-lo, nos
“não cidadãos”, nos “cidadãos pela
metade”, nos “residuos urbanos”,[126] e sem
dignidade. Passar das palavras de solidariedade para os gestos que acolham e
curem: a vida consagrada é chamada a tal verdade.[127]
Papa Bento já
nos exortava: “eu vos convido a uma fé que saiba reconhecer a sabedoria da
fraqueza. Nas alegrias e nas aflições do tempo presente, quando a dureza e o
peso da cruz são sentidos, não duvideis que a kénosis de Cristo é já vitória pascal. Precisamente no limite e na
fraqueza humana somos chamados a viver a conformação com Cristo, numa tensão
totalizadora que antecipa, na medida do possível, no tempo, a perfeição
escatológica. Nas sociedades da eficiência e do sucesso, a vossa vida marcada
pela ‘minoria’ e pela fraqueza dos pequenos, pela empatia com aqueles que não têm
voz, torna-se um evangélico sinal de contradição”.[128]
Convidamos a
voltar à sabedoria evangélica vivida pelos pequenos (cf. Mt 11,25): “É a
alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida cotidiana, como
resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: ‘Filho, enquanto for possível,
trata-te bem... Não te prives de um dia feliz’ (Eclo 14,11.14). Quanta ternura
paterna se vislumbra por detrás destas palavras”.[129]
A atual fraqueza
da vida consagrada deriva também de ter perdido a alegria das “pequenas coisas
da vida”.[130]
Na via de conversão, os consagrados e as consagradas poderiam descobrir que o
primeiro chamado – recordamos isto na Carta Alegrai-vos
– é o chamado à alegria como acolhida do pequeno e busca do bem: “Só por hoje
serei feliz na certeza de que fui criado para a felicidade não apenas no outro
mundo, mas também neste”.[131]
Papa Francisco
nos convida a deixar-nos “conduzir pelo Espírito, renunciando a calcular e
controlar tudo, e permitindo que ele nos
ilumine, guie, dirija e impulsione para onde ele quiser. O Espírito Santo bem
sabe o que faz falta em cada época e em cada momento”.[132]
Em
coro com a statio orante
17.
O
horizonte está aberto, enquanto somos convidados à vigilância orante que
intercede pelo mundo. Nela continuamos a divisar pequenos sinais anunciadores
de chuva abundante, benéfica sobre a nossa aridez, sussurros leves de uma
presença fiel.
A caminhada a
fazer para seguir a nuvem nem sempre é fácil. O discernimento às vezes exige
longas esperas cansativas. O jugo suave e leve (cf. Mt 11,30) pode tornar-se
pesado. O deserto é também um lugar de solidão, de vazio. Um lugar no qual
falta o que é fundamental para viver: água, vegetaçaõ, companhia de outras
pessoas, calor de um amigo e até mesmo a vida. No deserto cada um toca, no
silêncio e na solidão, a sua imagem mais
verdadeira: mede a si mesmo e o infinito, a sua fragilidade como grão de areia
e a solidez da rocha como mistério de Deus.
Os israelitas
ficavam acampados enquanto a nuvem permanecia sobre a tenda: retomavam a
caminhada quando a nuvem se levantava daquela morada. Parar e partir: uma vida
guiada, regulada, ritmada pela nuvem do Espírito. Uma vida a viver em vigilante
vigília.
Elias,
prostrado, esmagado pela dor e pela infidelidade do povo, leva nas costas e no
coração o sofrimento e a traição. Ele mesmo se torna oração, súplica orante,
seio que intercede. Ao lado dele e por ele o rapaz perscruta o céu, para ver se
do mar aparece o sinal de resposta à promessa de Deus.
A vida consagrad
no tempo presente é chamada a viver com particular intensidade a statio da intercessão. Somos conscientes do nosso limite e da nossa
finitude, enquanto o nosso espírito atravessa o deserto e a consolação à
procura de Deus e dos sinais da sua graça, trevas e luzes. Nesta statio orante se joga a revelde
obediência da profecia da vida consagrada que se faz voz de paixão pela
humanidade. Plenitude e vazio – como percepção profunda do mistério de Deus,
do mundo e do humano – são experiências que atravessamos ao
longo do caminho com igual intensidade.
Papa
Francisco nos interpela: “Lutamos com o
Senhor pelo povo, como Abraão lutou (cf. Gn 18,22-33)? Aquela oração corajosa
de intercessão. Nós falamos de parresia,
de coragem apostólica, e pensamos nos planos pastorais, o que é bom, mas a
mesma parresia é necessária também na
oração”. [133]
A intercessão se
faz voz das pobrezas humanas, adventus
e eventus: preparação para a resposta
da graça, para a fecundidade da terra
árida, para a mística do encontro no sinal das pequenas coisas.
A capacidade de
sentar-se em coro torna os consagrados e as consagradas não profetas
solitários, mas homens e mulheres de
comunhão, de escuta comum da Palavra, capazes de elaborar juntos significados e
sinais novos, pensados e construídos também no tempo da perseguição e do martírio. Trata-se de um caminho para a comunhão de diferenças: sinal do
Espírito que sopra nos corações a paixão “para que todos sejam uma só coisa”
(Jo 17, 21). Assim se manifesta uma Igreja que – sentada à mesa depois de um
caminho de dúvidas e de comentários tristes e sem esperança – reconhece o seu
Senhor ao partir o pão (Lc 24,13-35), revestida da essencialidade do Evangelho.
PARA
REFLEXÃO
18. As provocações de Papa Francisco
Quando o senhor quer dar-nos uma missão,
quer dar-nos um trablho, prepara-nos para fazê-lo bem”, exatamente “como
preparou Elias”. O importante “não é que ele tenha encontrado o Senhor”, mas
“todo o percurso para chegar à missão que o Senhor confia”. E justamente “esta
é a diferença entre a missão apostólica que o Senhor nos dá e uma tarefa
humana, honesta, boa”. Por isso, “quando o Senhor dá uma missão, faz-nos entrar
sempre num processo de purificação, num processo de discernimento, num processo
de obediência, num processo de oração”.[134]
“Sou dócil, humilde? Naquela comunidade
há disputa entre eles pelo poder, disputas por inveja? Existem fofocas? Então
não estão no caminho de Jesus Cristo.” A paz numa comunidade, de fato, é uma
“peculiaridade muito importante. Muito importante porque o demônio procura
dividir-nos, sempre. É o pai da divisão; com inveja, divide. Jesus faz-nos ver
esse caminho, o caminho da paz entre nós, do amor entre nós.”[135]
É importante “ter o costume de pedir a
graça da memória no caminho que o povo de Deus fez”. A graça também da “memória
pessoal: o que Deus fez comigo na minha vida, como me fez caminhar?” É preciso
também “pedir a graça da esperança que não é otimismo: é outra coisa”; “pedir a
graça de renovar todos os dias a aliança com o Senhor que nos chamou”.[136]
E este “é o nosso destino: caminhar na
ótica das promessas, certos de que se tornarão realidade. É bom ler o décimo
primeiro capítulo da Carta aos Hebreus, onde se conta a caminhada do povo de
Deus para as promessas: como essa gente amava muito essas promessas e as
buscava também como o martírio. Sabia que o Senhor era fiel. A esperança nunca
desilude. [...] Esta é a nossa vida: crer e pôr-se a caminho” como fez Abraão,
que teve “confiança no Senhor e caminhou também nos momentos difíceis”.[137]
Não perder nunca o ímpeto de caminhar
pelos caminhos do mundo, a consciência de que caminhar, andar também com o
passo incerto ou mancando, é sempre melhor do que estar parado, fechado nas
suas perguntas ou nas suas inseguranças. A paixão missionária, a alegria do
encontro com Cristo que vos impele a partilhar com os outros a beleza da fé,
distante do risco de ficar bloqueados no individualismo.[138]
Os religiosos são profetas. São aqueles
que escolheram um seguimento de Jesus que imita a sua vida com obediência ao
Pai, a pobreza, a vida de comunidade, a castidade. [...] Na Igreja os
religiosos são chamados em particular a serem profetas que testemunhem como
Jesus é vivido neste terra, e que anunciem como o Reino de Deus será na sua
perfeição. Um religioso nunca deve renunciar à profecia.[139]
Esta é uma atitude cristã: a vigilância.
A vigilância sobre si mesmo: o que acontece no meu coração? Porque o meu
tesouro está onde o meu coração estiver. O que acontece ali? Os padres
orientais dizem que se deve conhecer bem se o meu coração está numa turbulência
ou se está tranquilo. [...] Depois, que faço? Procuro compreender o que
acontece, mas sempre em paz. Compreender em paz. Depois volta a paz e posso
fazer a discussio conscientiae.
Quando estou em paz, não há turbulência: “Que aconteceu hoje no meu coraçao?” E
isto é vigiar. Vigiar não significa ir à sala de torturas, não! Significa olhar
para o coração. Que sente o meu coraçao, o que procura? O que me faz hoje feliz
e o que não me faz feliz?[140]
Graças a Deus, vós não viveis nem
trabalhais como indivíduos isolados, mas como comunidade: e dai graças a Deus
por isto! A comunidade sostém todo o apostolado. Às vezes as comunidades
religiosas são atravessadas por tensões, com o risco do individualismo e da
dispersão, mas são necessárias comunicação profunda e relações autênticas. A
força humanizadora do Evangelho é
fundamentada pela fraternidade vivida em comunidade, feita de acolhimento,
respeito, ajuda mútua, compreensão, amabilidade, perdão e alegria.[141]
Sois um fermento que pode produzir um
pão bom para muitos, aquele pão do qual se tem tanta fome: a escuta das
necessidades, dos desejos, das desilusões, da esperança. Como quem vos precedeu
na vossa vocação, podeis devolver esperança aos jovens, ajudar os idosos, abrir
caminho para o futuro, difundir o amor em todo lugar e em cada situação. Se isto
não acontecer, se faltar testemunho e profecia em vossa vida comum, então,
torno a repetir-vos, é urgente uma conversão![142]
Em vez de ser apenas uma Igreja que
acolhe e que recebe tendo portas abertas, procuremos ser uma Igreja que
encontre novos caminhos, que seja capaz de sair de si mesma e ir para quem não
a frequenta, qaue saiu dela ou é indiferente. Quem saiu dela, às vezes, o fez
por razões que, se bem compreendidas e avaliadas, podem levar a um retorno. Mas
é preciso audácia, coragem.[143]
Na vida consagrada se vive o encontro
entre os jovens e os idosos, entre a observância e a profecia. Não as vejamos
como duas realidades opostas. Deixemos antes que o Espírito Santo anime ambas,
e o sinal disto é a alegria: a alegria de observar, de caminhar numa regra de
vida; e a alegria de ser guiados pelo Espírito, nunca rígidos, nunca fechados,
sempre abertos à voz de Deus que fala, que abre, que conduz, que nos convida a
ir para o horizonte.[144]
AVE,
MULHER DA ALIANÇA NOVA
19.
Caminhar
seguindo os sinais de Deus significa
experimentar a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo,[145] centro da
vida e fonte das decisões e das obras.[146]
O encontro com o Senhor renova-se cada
dia na alegria da caminhada perseverente. “Sempre a caminho com aquela virtude
que é uma virtude peregrina: a alegria!”[147]
Os nossos dias invocam a necessidade de
vigiar: “Vigilância. É olhar para o coração. Não devemos ser donos do nosso
coração. Que sento o meu coração, o que procura? O que me fez feliz hoje e o
que não me fez feliz? [...] Isto é conhecer o estado do meu coração, a minha
vida, como caminho pela via do Senhor. Porque, se não há vigilência, o coraçao
anda por toda parte; e a imaginação vai atras. [...] Estas não são coisas
antigas, não são coisas superadas”.[148]
O consagrado se torna memoria Dei, recorda o agir do Senhor. O
tempo que nos é dado para caminhar atrás da nuvem que pede perseverança,
fidelidade para perscrutar na vigília “como se estivesse vendo o invisível” (Hb
11,27). É tempo da aliança nova. Nos dias do fragmento e da respiração breve,
como a Elias nos é pedido para vigiar, perscrutar o céu sem se cansar para
divisar a nuvem, do tamanho da palma da mão,
conservar a audácia da perseverança e a visão nítida da eternidade. O nosso
tempo permanece um tempo de exílio, de peregrinação, na espera vigilante e
alegre da realidade escatológica em que Deus será tudo em todos.
Maria “é a nova arca da aliança, perante
a qual o coração exulta de alegria, a Mãe de Deus presente no mundo, que não
conserva para si esa presença divina, mas oferece-a compartilhando a graça de
Deus. E assim – como recita a oração – Maria realmente é causa nostrae laetitiae, a arca
em que realmente o Salvador está presente entre nós”. [149]
Ave, Maria, Mulher da Aliança nova, nós
te chamos bem-aventurada porque acreditaste
(cf. Lc, 1,45) e soubeste “reconhecer os vestígios do Espírito de Deus tanto
nos grandes acontecimentos como naqueles que parecem imperceptíveis”.[150]
Sustenta a nossa vigília na noite, até
as luzes da aurora na espera do dia novo. Concede-nos a profecia que narra ao
mundo a alegria do Evangelho, a felicidade daqueles que perscrutam os
horizontes de terras e céus novos (cf. 21,1) e antecipam a presença deles na
cidade humana.
Ajuda-nos a confessar a fecundidade do
Espírito no sinal do essencial e do pequeno. Concede-nos realizar o ato
corajoso do humilde para o qual Deus dirige
o olhar (Sl 138[137],6) e a quem são revelaqdos os segredos do Reino (cf.
Mt 11,25-26), aqui e agora.
Amém.
Vaticano, 8 de
fevereiro de 2014
Natividade da Bem-aventurada Virgem Maria
João Braz card.
De Aviz
Prefeito
José Rodrigues
Carbalho, O.F.M.
Arcebispo Serectário
[1] Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro
de 2013), no 20-24.
[2] Ibid., n. 97.
[3] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata
(25 de março de 1996), n. 84).
[4] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática matutina na
capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (16 de abril de 2013).
[5] Francisco, Lo Spirito non si
addomestica. Meditação matutina na capela da Domus Sanctae
Marthae, Roma (17 de abril de 2013).
[6] O termo ’ãnãn está
presente 87 vezes no AT, sendo 20 vezes em Êxodo e outras 20 em Núneros.
Aparece uma só vez a expressão “coluna de fogo e de núvem” (Ex 14,24);
comumente se diz “coluna de nuvem” ou “coluna de fogo”. Ambas as expressões
descrevem a manifestação da presença divina.
[7] João XXIII, Discurso de abertura do Concílio Gaudet Mater
Ecclesia, Roma (11 de outubro de 1962).
[8] Ibid., n. 4, 6.
[9] João Paulo II, Exortação Apostólica Novo Millennio Ineunte (6 de
janeiro de 2001), n. 57.
[10] Francisco, Lo Spirito non si
addomestica. Meditação matutina na capela da Domus
Sanctae Marthae, Roma (16 de abril de 2013).
[11] Cf. João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita
consecrata (25 de março de 1996), . 40.
[12] Cf. Bento XVI, Audiência, Roma (23 de janeiro de 2013).
[13] Cf. Francisco, Audiência aos participantes no encontro promovido
pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[14] Cf. Paulo VI, Alocução por ocasião da última seção pública do
Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7 de dezembro de 1965).
[15] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a
Igreja Lumen Gentium, n. 4.
[16] Cf. ibid., n. 9.
[17] Ibid.
[18] Cf. ibid., n. 43-47.
[19] Cf. ibid., cap. V
[20] Cf. ibid., n. 43.
[21] Cf. ibid. n. 44.
[22] Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida
religiosa Perfectae caritatis, n. 2ª.
[23] Cf. ibid. n. 8.
[24] Ibid. n. 10.
[25] Cf. ibid., n. 11.
[26] Código de Direito Canônico, promulgado por João Paulo II (22
de janeiro de 1983), cânones 604 e 603.
[27] Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida
religiosa Perfectae caritatis, n. 12-14.
[28] Cf. ibid., n. 15
[29] Ibid., n. 18.
[30] João XXIII, Constituição Apostólica Hemanae Salutis de convocação
do Concílio Ecumênico Vaticano II (25 de dezembro de 1961), n. 4.
[31] João XXIII, Carta Encíclica Pacem in terris sobre a paz entre
todos os povos (11 de abril de 1963), n. 24-25.
[32]Cf. ibid., n. 45-46.
[33] Cf. ibid., n 67.
[34] Cf. ibid., n. 75.
[35] João Paulo II, Carta Apostólica aos religiosos e religiosas da
América Latina por ocasião do V centenário da evangelização do Novo Mundo Los
caminos del Evangelio (29 de junho de 1990); Exortação Apostólica pós-sinodal
Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 82, 86, 89-90.
[36] O primeiro uso oficial do vocabulário “profético” por parte do
magistério ocorre no documento: Sagrada Congregação para os Religiosos e os
Institutos Seculares, Religiosos e promoção humana (em latim: Optiones
evangelicae) (12 de agosto de 1980), introdução e n. 2, 4, 24, 27, 33. Em Vita
Consecrata, além dos dois parágrafos específicos (84-85), a terminologia ocorre
umas trinta vezes, uma centena se forem contadas as expressões análogas.
[37] Cf. Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos
Seculares; Sagrada Congregação para os Bispos, Critérios diretivos para as
relações mútuas entre bispos e religiosos na Igreja Mutuae Relationes (14 de
maio de 1978), n. 12, 19, 51).
[38] Cf., por exemplo, Concílio Vaticano II, Decreto sobre a atividade
missionária da Igreja Ad gentes, n 23.
[39] Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica testificatio (29 de
junho de 1971)m n. 11, 12, 32.
[40] Ibid., n. 11
[41] Cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da
vida relgiosa Perfectae caritatis, n. 3.
[42] Cf. Bento XVI, Homilia, Santa missa para a abertura do Ano da Fé,
Roma (11 de outubro de 2012).
[43] Paulo Vim Alocução por ocasião da última sessão pública do
Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7 de dezembro de 1965).
[44] Concílio Ecumênico Vaticano II, Consituição Dogmática sobre a
Igreja Lumen Gentium, n. 44.
[45] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal vita Consecrata
(25 de março de 1996), n. 84
[46] Cf. Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de
novembro de 2013), n. 86.
[48] Cf. Concílio
Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae
caritatis, n. 5; Constituição Dogmática sobre a divina revelação Dei Verbum, n.
21, 25.
[49] Cf. João Paulo II,
Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 84;
Carta Apostólica Novo Millenio ineunte (6 de janeiro de 2011), II. “Um rosto a
contempla” (n. 16-28), III. “Partir de Cristo” (n. 29-41); Bento XVI, Carta
Encíclica Deus caritas est (25 de dezembro de 2005), n. 12-18); Congregação
para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica,
Instrução Partir de Cristo. Um renovado compromisso de vida consagrada no
terceiro milênio (19 de maio de 2002).
[50] Cf. Concílio Ecumênico
Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a divina revelação Dei Verbum, n. 21.
[52] Cf. Concílio
Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa Perfectae
caritatis, n. 1.
[60] Libellus 104, in P.
Lippini, San Domenico visto dai suoi contemporanei, Edizioni Studio Domenicano,
bologna, 1982, p. 110.
[61] Primeiras
constituições ou “Consuetudines”, n. 31.
Por isso “frequentemente, tanto oralmente como por escrito, admoestava e
exortava os frades da ordem a estudar continuamente o Novo e o Antigo
Testamento. [...] Ele levava sempre consigo o Evangelho de Mateus e as
epístolas de Paulo e as estudava tanto que as sabia de cor” (Depoimento de frei
João da Espanha, in Domenico di Gusmán. Il carisma della predicazione, introduzione
di P. Lippini, EDB, Padova 1993, p. 143).
[62] Regra não bulada,
Título: FF 2,2. A Regra bulada inicia com o mesmo teor: “A Regra e a vida dos
frades menores é esta: observar o Santo Evangelho do nosso Senhor Jesus
Cristo...” (I, 2: FF 75).
[64] Regra do Carmelo, c.
10 e 19. Cf. B. Secondin, Uma fraternitá orante e profetica in um mondo che
cambia. Rileggere la Regola del Carmelo oggi, Perugia, 2007, p. 8 e 11.
[65] G. Alberione,
“Abundantes divitiae gratiae suae”. Storia carismática della Famiglia Paolina,
Roma, 1977, n. 93.
[67] Francisco, Discurso
aos Bispos da Conferência episcopal de Madagascar em visita ad limina
apostolorum, Roma (28 de março de 2014).
[68] Cf. João Paulo II,
Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 85.
[69] Para isso é pode ser
útil também ler e assimilar o Catecismo da Igreja Católica, que apresenta uma
síntese sistemática e orgânica, na qual emerge a riqueza de ensinamento que a
Igreja acolheu, custodiou e ofereceu. “Desde a Sagrada Escritura aos Padres da
Igreja, desde os Mestres de teologis aos Santos que atravessaram os séculos, o
Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja
meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua
vida de fé”. Bento XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei,
com a qual se proclama o Ano da Fé (11 de outubro de 2011), n. 11.
[72] Francisco, Discurso
ao Movimento Apostólico de Cegos (MAC) e à Pequena Missão para surdos-mudos,
Roma (29 de março de 2014).
[73] Cf. Concílio
Ecumênico Vaticano II, Constituição Dogmática obre a divina revelação Dei
Verbum, n. 25; João Pualo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata
(25 de março de 1996), n. 94; Bento XVI, Exortação Apostólica pós-sinodal
Verbum Domini (30 de setembro de 2010), n. 86.
[75] Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Intrução
Partir de Cristo. Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro
milênio (19 de maio de 2002), n. 22.
[76] Bento XVI, Carta
Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei, com a qual se proclama o Ano
da Fé (11 de outubro de 2011), n. 15.
[77] Paulo VI, Mensagem
aos padres conciliares por ocasião do encerramento do Concílio Vaticano II,
Roma (8 de dezembro de 1965).
[78] Francisco, Homilia na
Festa da Apresentação do Senhor – XVIII Jornada Mundial da Vida Consagrada,
Roma (2 de fevereiro de 2014).
[79] Francisco, Homilia
para a Vigília Pascal, Roma (30 de março de 2013); “Temos medo das surpresas de
Deus! Ele não cessa de nos surpreender! O Senhor é assim. Irmãos e Irmãs, não
nos fechemos à novidade que Deus quer trazer à nossa vida”.
[80] A. Spadaro,
“Svegliate Il mondo!”. Colloquio di Papa Francisco con i Superiori Generali, in
La Civiltá Cattolica, 165 (2014/I), p. 7.
[82] Bento XVI, Homilia
para a festa da Apresentação do Senhor – XVII Jornada Mundial da vida
consagrada, Roma (2 de fevereiro de 2013).
[83] Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostóloica, Instrução O
serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Domine, requiram (11 de maio
de 2008), n. 11.
[87] Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades da Vida Apostólica, Instrução O
serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Domine, requiram (11 de maio
de 2008), n. 28.
[92] Congregação para os
Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Instrução O
serviço da autoridade e a obediência. Faciem tuam, Dominae, requiram (11 de
maio de 2008), n. 7.
[94] Francisco, Discurso
aos Bispos da Conferência Episcopal do México em visita ad limina apostolorum,
Roma (19 de maio de 2014).
[95] Francisco, Discurso
aos reitores e aos alunos dos Pontifícios Colégios e Internatos em Roma, Roma
(12 de maio de 2014).
[96][96] Francisco, Audiência
aos participantes do encontro promovido pela Conferência Italiana dos
Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[98] Paulo VI, Alocução
por ocasião da último sessão pública do Concílio Ecumênico Vaticano II, Roma (7
de dezembro de 1965).
[99] Sagrada Congregação
para os Religiosos e os Institutos Seculares, Religiosos e promoção humana (12
de agosto de 1980).
[101] Cf. João Paulo II,
Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 45.
[104] João Paulo II,
Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 42;
cf. Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto sobre a renovação da vida religiosa
Perfectae caritatis, n. 15.
[108] Paulo VI, Carta
Encíclica Ecclesiam suam (6 de agosto de 1964), n. 90; cf. Francisco, Audiência
aos participantes no encontro promovida pela Conferência Italiana dos
Institutos Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[109] Cf. XIII Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (7-28 de outubro de 2012), Mensagem ao
povo de Deus (26/10/2012), n. 7.
[110] Francisco, Discurso
aos participantes no Capítulo Geral da Sociedade Salesiana de São João Bosco
(Salesianos), Roma (31 de março de 2014).
[116] Bento XVI, Homilia na
Santa Missa de inauguração da V Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano e Cabirenho no santuário de Aparecida, Brasil (13 de maio de
2007).
[118] Bento XVI, Carta ao
cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a unidade dos
Cristãos, por ocasião do XII Simpósio Intercristão (Salônica, 29 de agosto a 2
de setembro de 2011), n. 2.
[119] João Paulo II,
Exortação Apostólica pós-sinodal vita Consecrata (25 de março de 1996), n. 103.
[120] Francisco, Audiência
aos participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana do Institutos
Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[122] A. Spadaro,
“Evegliate il mondo!’. Colloquio di Papa Francesco com i superiori Generali, in La Civiltà
Cattolica, 165 (2014/I) p. 8.
[128] Bento XVI, Homilia
para a festa da Apresentação do Senhor – XVII Jornada Mundial da vida
consagrada. Roma (2 de fevereiro de 2013).
[131] João XXIII, Decalogo
dela serenitá, in Is Giornale dell’anima, LEV, Città del Vaticano, 2014, p.
217.
[134] FRANCISCO, Meditação
matutina na Capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (13 de junho de 2014).
[135] FRANCISCO, Meditação
matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (29 de abril de 2014).
[136] FRANCISCO, Meditação matutina
na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (15 de maio de 2014).
[137] FRANCISCO, Meditação
matutina na capela da Domus Sanctae Marthae, Roma (31 de março de 2014).
[138] FRANCISCO, Audiência aos
participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos
Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[139] A. Spadaro, Intervista a
Papa Francisco, in La Cività Cattolica III (2013, p. 449-477).
[140] FRANCISCO, Discurso aos
reitores e aos alunos dos Pontifícios Colégios e Internatos em Roma, Roma (12
de maio de 2014).
[141] FRANCISCO, Discurso aos
participantes no Capítulo Geral da Sociedade Salesiana de São João Bosco
(Salesianos), Roma (31 de março de 2014).
[142] FRANCISCO, Audiência aos
participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos Seculares,
Roma (10 de maio de 2014).
[143] A. Spadaro, Intervista a
Papa Francisco, in La Cività Cattolica III (2013, p. 449-477).
[144] FRANCISCO, Homilia na
Festa da Apresentação do Senhor – XVIII Jornada Mundial da vida consagrada,
Roma )2 de fevereiro de 2014).
[145] BENTO XVI, Carta Apostólica sob forma de motu proprio Porta fidei, com a qual se proclama o Ano da Fé (11 de
outubro de 2012), n. 2.
[146] CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES
DE VIDA APOSTÓLICA, Instrução Partir de
Cristo, Um renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milênio (19
de maio de 2012), n. 22.
[147] FRANCISCO, Audiência aos
participantes no encontro promovido pela Conferência Italiana dos Institutos
Seculares, Roma (10 de maio de 2014).
[148] FRANCISCO, Discurso aos reitores e aos alunos dos Pontifícios
Colégios e Internatos de Roma, Roma (12 de maio de 2014).
[149] BENTO XVI, Homilia na
festa da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, Castelgandolfo (15 de agosto
de 2011).
[150] FRANCISCO, Exortação
Apostólica Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), n. 288.
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