PALESTRA_DOM JOÃO

CRB - CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASILREGIONAL DO PARANÁ

Encontro da Vida Consagrada a 50 Anos do Concílio Vaticano II em preparação ao Ano da Vida Consagrada (2015)



CONSAGRADOS (AS) ALEGRAI-VOS...
FOSTES ENCONTRADOS, ALCANÇADOS E TRANSFORMADOS
 PELA VERDADE QUE É CRISTO

                                                                                                           João Braz Cardeal de Aviz

Introdução

Há tres anos estou em Roma servindo o Santo Padre junto com um grupo de quarenta pessoas que trabalham diariamente na Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (CIVCSVA). Nosso contacto se dá com um universo de mais ou menos um milhão e meio de pessoas consagradas no mundo todo, pertencentes a aproximadamente duas mil Ordens, Congregações, Sociedades de Vida Apostólica, Institutos Seculares e “Ordo Virginum”.

Aproximamo-nos do quinquagésimo aniversário da aprovação da Constituição Dogmática Lumen Gentium por parte dos padres conciliares reunidos com o Papa no Vaticano. Isso aconteceu no dia 21 de novembro de 1964. O Decreto Conciliar Perfectae Caritatis sobre a atualização dos religiosos, por sua vez, foi aprovado no dia 28 de outubro de 1965. Em 2015 este documento importante para a vida consagrada também completará seus cinquenta anos. Com a finalidade de retomar as grandes linhas que o Concílio traçou e os passos que a vida consagrada deu nesses anos até aqui, o Papa Francisco proclamou o ano de 2015 como o ano da vida consagrada. Em Roma estamos trabalhando na preparação desse significativo acontecimento, cujo anúncio provocou uma reação positiva dos consagrados e das consagradas de todo o mundo.

O capítulo sexto da Lumen Gentium (nn.43 a 47) situou os religiosos como parte integrante dos membros do povo de Deus que é a Igreja. Sem eles e elas falta uma parte importante desse povo. Por outro lado os religiosos e as religiosas não inseridos na grande família da Igreja, isto é, neste grande e único povo de Deus, perdem o horizonte mais importante de seu carisma. De fato todos os fundadores e fundadoras foram homens e mulheres profundamente eclesiais estreitamente ligados à experiência de Deus vivida na comunhão da Igreja e no serviço à humanidade, especialmente os mais pobres.

O Concílio Vaticano II impulsionou a vida dos conselhos evangélicos neste novo momento da história da Igreja e da humanidade, porque reconhece que uma vida assim está fundamentada nas palavras e nos exemplos do Senhor e foi recomendada pelos Apóstolos, pelos Padres, Doutores e Pastores da Igreja . “Por isso, o Sagrado Sínodo encoraja e louva os homens e as mulheres, Irmãos e Irmãs, que nos mosteiros, nas escolas, nos hospitais e nas missões, adornam a Esposa de Cristo pela constante e humilde fidelidade na mencionada consagração e prestam a todos os homens os mais variados e generosos serviços” (LG 46,§3).

Vida monástica no Oriente e no Ocidente, Ordem das Virgens e das Viúvas, Eremitas, Institutos entregues completamente à contemplação, Institutos de vida apostólica, Institutos Seculares, Sociedades de Vida Apostólica e ainda as Novas Expressões de Vida Consagrada, entre elas muitas que se apresentam como “Famílias Eclesiais”, reunindo num mesmo carisma variadas formas de consagração e de empenho apostólico, incluindo, muitas vezes, casados e famílias inteiras. Este fenômeno eclesial atual tem se manifestado tanto entre os Institutos e as Sociedades de Vida Apostólica como entre os Movimentos Eclesiais de Leigos, com características muito semelhantes . 

Nos anos do pós-concílio teve início um caminho de renovação da vida consagrada – renovação que continua ainda hoje – que experimentou e ainda continua a experimentar momentos de dificuldade como também momentos de crescimento e de surpreendente vigor (cf VC 2 § 4). O Sínodo sobre a vida consagrada do ano de 1994 foi providencial neste caminho de renovação. A Exortação Apostólica do ano de 1996, que é fruto desse evento eclesial, continua atual e fortemente orientadora para o momento que estamos passando . Nós a retomaremos mais adiante especialmente no seu capítulo segundo, nos números de 41 a 58.

Vita Consecrata apresenta esta vocação eclesial como “confissão da Trindade” e depois, no segundo capítulo, concretiza esta realidade trinitária como “sinal de fraternidade”. Deste modo a vida consagrada é vista na Igreja como “sinal de comunhão”. Ao ajudar a Igreja na passagem do milênio o Papa Beato João Paulo II reconheceu a centralidade da Espiritualidade de Comunhão. É esta a novidade que poderá acender uma nova luz hoje entre os consagrados e consagradas, unindo a diversidade dos numerosos carismas antigos e novos na comunhão misteriosa (maravilhosa) da Igreja. João Paulo II afirma que a Espiritualidade de Comunhão deverá se tornar o critério de todas as “escolas” que formam o homem e a mulher do nosso tempo . Estes são os bons novos caminhos que poderão ajudar os consagrados e as consagradas a percorrer com decisão e com convicção as etapas de renovação que estão à sua frente. Mudou a cultura em nossos dias. Estão mudando os pontos de referência da humanidade. Cristo, porém, e seu evangelho não mudam. Sua luz é para todo o sempre, embora ela deva sempre ser reinterpretada para o homem e a mulher do hoje.

Diversas tem sido as ocasiões em que o Papa Francisco se dirigiu a nós religiosos estimulando-nos no empenho verdadeiro pelo seguimento de Jesus como consagrados e consagradas na linha do Concílio Vaticano II e em vista da renovação da vida consagrada. Assim aconteceu no ano de 2013 no encontro do Papa com 800 superioras gerais da UISG (União Internacional das Superioras Gerais) em Roma , como também em outras ocasiões .

Em seguida, mesmo que de modo não completo, aprofundaremos tres realidades:

1. A renovaçao da vida consagrada a 50 anos do Concílio Vaticano II.
2. A vida consagrada sinal de comunhão na Igreja e no mundo , na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata, em particular nos nn. 41-58.
3. Consagrados e Consagradas, Discípulos e Discípulas do Senhor, na Escola da Comunhão. 


1. A Renovação da Vida Consagrada a 50 anos do Concílio Vaticano II

Desenvolveremos nosso aprofundamento em duas etapas:

1.1. Os religiosos na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” sobre a Igreja (cap. VI, nn. 43-47).
1.2. O Decreto Conciliar “Perfectae Caritatis”.


1.1. Os Religiosos na Constituição Dogmática “Lumen Gentium”sobre a Igreja (capítulo VI, nn.43-47)

A “Lumen Gentium” dedica todo o seu capítulo VI aos religiosos, situando-os como membros integrantes da Igreja povo de Deus, juntamente com os fiéis membros da hierarquia e os fiéis leigos. Como vimos, os consagrados e as consagradas são hoje na Igreja uma realidade plural, numerosa e muito significativa. São homens e mulheres que respondem com suas vidas não a um mandamento, embora submissos a todos, mas aos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência “um dom divino que a Igreja recebeu do seu Senhor e por graça d’Ele sempre conserva” (n.43).

E é tal seu valor que “o estado constituído pela profissão dos conselhos evangélicos, embora não pertença à estrutura hierárquica da Igreja, está contudo firmemente relacionado com sua vida e santidade” ( n.44 §4) .

Hoje, cinquenta anos após o Concílio, o aprofundamento realizado pela eclesiologia conciliar, seja como investigação teológica, seja como experiência concreta de comunhão, na expressão feliz do Beato João Paulo II, nos permite afirmar que na Igreja a dimensão hierárquica e a dimensão carismática são igualmente essenciais: “Muitas vezes tive a ocasião de ressaltar como na Igreja não existe contraste ou contraposição entre a dimensão institucional e a dimensão carismática, da qual os Movimentos são uma expressão significativa. Ambas são co-essenciais à constituição divina da Igreja fundada por Jesus, porque concorrem juntas para tornar presentes o mistério de Cristo e a Sua obra salvífica no mundo. Juntas, além disso, têm em vista renovar, segundo seus modos próprios, a auto-consciência da Igreja, que se pode dizer, num certo sentido, ela mesma “movimento” enquanto acontecimento, no tempo e no espaço, da missão do Filho, por obra do Pai no poder do Espírito Santo” . Isto em nada impede que “dado que é missão da Hierarquia eclesiástica apascentar o Povo de Deus e conduzi-lo a férteis pastagens (cf Ez 34,14), cabe a ela moderar sabiamente, mediante suas leis, a prática dos conselhos evangélicos, pelos quais se fomenta singularmente a perfeição da caridade para com Deus e o próximo” (LG 45).

O Concílio vê nos religiosos e religiosas a oportunidade para a Igreja de apresentar Cristo de modo cada vez mais perfeito aos homens e às mulheres: “ora contemplando no monte, ora anunciando o Reino de Deus às multidões, ora curando os enfermos e feridos e convertendo os pecadores ao bom caminho, ora abençoando as crianças e fazendo bem a todos, mas sempre obediente à vontade do Pai que O enviou” (LG 46). 

Os padres conciliares reconhecem que a profissão dos conselhos evangélicos comporta a renúncia de bens que são muito apreciáveis. Esta necessária renúncia, porém, não se opõe ao verdadeiro progresso da pessoa humana; ao contrário, é de grande proveito para a purificação do coração, para a liberdade espiritual e para o fervor da caridade. A Virgem Maria e os santos fundadores são uma confirmação disso. Deste modo as mulheres e os homens consagrados estão de uma maneira muito particular próximos de seus contemporâneos assegurando-lhes a ternura de Cristo (cf LG 46).

Hoje, mais do que nunca a presença da mulher consagrada e do homem consagrado na Igreja e no mundo pode ajudar a cultura atual, que convida a “não ter medo de ser feliz”, a endereçar esse desejo e essa meta para níveis mais profundos desde que, porém, o consagrado e a consagrada sejam eles mesmos pessoas humanamente felizes e realizadas, testemunhando com autenticidade que seguir Deus e viver o evangelho realizam as pessoas. Os numerosos abandonos da vida consagrada, o rosto fechado e triste de muitos deles e a falta de um espírito de família em algumas casas religiosas estão indicando que há algo para ser revisto no testemunho da vida consagrada.


1.2. O Decreto Conciliar “Perfectae Caritatis”

Neste Decreto o Concilio Vaticano II “propõe-se a tratar da vida e da disciplina dos institutos, cujos membros professam a castidade, a pobreza e a obediência, e prover as necessidades deles, segundo as exigências dos tempos atuais (n.1) . A “Lumen Gentium”, como lembra o Decreto, já mostrou que “o procurar seguir a caridade perfeita pela prática dos conselhos evangélicos tem origem na doutrina e nos exemplos do Divino Mestre, e aparece como sinal muito claro do Reino do Céu” (idem).

Conhecemos a vida e a disciplina de mulheres e homens que, desde o início da Igreja se propuseram a seguir Cristo dessa maneira e passaram a vida na solidão ou fundaram famílias religiosas que a Igreja aprovou. Hoje é muito grande o número desses grupos religiosos que tornam a Igreja preparada para toda obra boa, mas também a embelezam com sua riqueza carismática (cf idem).

Parece-me bom repropor aqui aqueles princípios gerais de uma adequada renovação da vida e da disciplina dos Institutos religiosos, das Sociedades de Vida Apostólica e dos Institutos Seculares, que o Concílio apresentou 50 anos atrás, e verificar o andamento de sua realização. Eles são apresentados a partir do n.2 do Decreto. Trata-se de um  contínuo retorno às fontes da vida cristã, à inspiração primitiva e original dos institutos e adaptação às novas condições dos tempos:

- Fazer do seguimento de Cristo, proposto no evangelho, a regra suprema.
- Conhecer e observar fielmente o espírito e as intenções específicas dos
  fundadores, como também as sãs tradições.
- Participar da vida da Igreja favorecendo as iniciativas e as intenções da Igreja local em matéria bíblica, litúrgica, dogmática, pastoral, ecumênica, missionária e social.
- Informar os membros sobre as condições dos homens e da época, das necessidades da Igreja para julgar e se inserir com sabedoria.
- Promover antes de tudo a renovação espiritual que deve ter sempre a primazia.
- Adaptar-se por toda a parte, mas especialmente nos territórios de missão, às condições físicas e psíquicas de hoje, dos membros, às necessidades do apostolado e às exigências da cultura, às circunstâncias sociais e econômicas.
- Cultivar o espírito de oração, indo às fontes da espiritualidade cristã. 
- Em primeiro lugar ter todos os dias em mãos a Sagrada Escritura.
- Celebrar de coração e boca a sagrada liturgia, sobretudo o mistério
  eucarístico.
- Alimentados pela Palavra e pela Eucaristia, amar os irmãos, respeitar e estimar os pastores com espírito filial, viver e sentir mais e mais com a Igreja, dedicando-se inteiramente à sua missão .

A 50 anos do Concílio fará muito bem a cada um de nossos institutos ler e rever com calma (quem sabe também através do capítulo geral) estes princípios gerais que nos foram apresentados pela maior autoridade da Igreja, o Concílio presidido pelo Papa. Muito já se fez em muitas famílias religiosas, mas o programa de renovação é amplo e intenso e não o esgotamos ainda. Agora, mais do que nunca nos é necessário esse esforço já que se acentua a mudança de época e o Papa Francisco nos estimula fortemente nessa direção.

O Decreto “Perfectae Caritatis” se dirige também aos institutos totalmente voltados à contemplação. A eles dedica inteiramente os nn. 7, 9, 16 e 21). Eles “continuam a ter sempre parte eminente no Corpo Místico de Cristo” (n.7). São como ornamento da Igreja e fonte de graças celestes. São motivo de fecundidade, honram e fazem crescer o Povo de Deus. A solidão, o silêncio, a oração assídua, a penitência ardorosa levam os membros a se ocupar exclusivamente de Deus na contemplação.

O Concílio porém, pede também para a vida contemplativa a revisão de seu modo de ser à luz dos princípios e dos critérios acima elencados, naturalmente de forma adaptada às exigências da contemplação.

Oriente e Ocidente são chamados pelos padres conciliares a conservar com fidelidade e no seu autêntico espírito a “venerável instituição da vida monacal”. Ao longo dos séculos ela adquiriu méritos tanto na Igreja como na sociedade humana. Monges e monjas são chamados a servir a Deus estando em sua presença seja dedicando-se inteiramente ao culto divino numa vida silenciosa, seja assumindo legitimamente algumas obras de apostolado e caridade cristã. A renovação das antigas tradições em vista das novas necessidades das pessoas hoje, seja feita de modo que os mosteiros se tornem centros de irradiação da vida critã (cf PC 9).

Duas dimensões importantes relacionadas de modo especial à vida das monjas, hoje estão sendo reestudadas pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica (CIVCSVA), tendo em vista o desejo do Papa Francisco e a continuidade da renovação proposta pelo Concílio. Trata-se da clausura papal e também da autonomia dos mosteiros.

A clausura papal se refere às monjas de vida exclusivamente contemplativa. O concílio pediu que ela seja firmemente mantida e ao mesmo tempo seja adaptada aos tempos e lugares, suprimindo os usos obsoletos. As decisões, porém, devem ser tomadas após ouvir  o parecer dos vários mosteiros. A esse respeito o Papa Paulo VI aprovou no dia 12 de julho de 1969 as normas emanadas pela Sagrada Congregação para os Religiosos e para os Institutos Seculares (Normas a respeito da Clausura Papal das Monjas) (cf Instrução sobre a Vida Contemplativa e sobre a Clausura das Monjas, 1969).

Outras monjas, porém, que se dedicam por constituição a obras de apostolado não estão ligadas a clausura papal. Estas conservam sua clausura de acordo com as constituições (cf PC 16 § 2).

No caso de institutos e mosteiros decadentes eles devem se unir a outro instituto ou mosteiro com finalidade e espírito semelhantes (cf PC 21)

O Decreto “Perfectae Caritatis” incentiva ainda a formação de federações para os institutos e mosteiros independentes (cf PC 22).

2. A Vida Consagrada Sinal de Comunhão na Igreja e no Mundo na Exortação Apostólica Pós Sinodal “Vita Consecrata” (nn.41-58).

  Há quase vinte anos a Exortação Apostólica “Vita Consecrata” nos orienta de modo consistente na renovação conciliar da vida religiosa. São numerosos os institutos que tem hoje suas constituições, suas regras, seus diretórios atualizados pelas indicações que aí estão contidas.

A Exortação Apostólica sobre a vida consagrada e sua missão na Igreja e no mundo de 25 de março de 1996 (30 anos depois da aprovação do Decreto Conciliar “Perfectae Caritatis”) é fruto de um Sínodo dos Bispos realizado depois dos sínodos dedicados aos leigos e aos presbíteros, completando assim “a exposição das peculiaridades características dos vários estados de vida, que o Senhor Jesus quís na sua Igreja” (VC 4). Foi e é grande a influência de suas orientações para a vida consagrada e, por isso, marcou e continua marcando um estágio novo de adaptação dos eremitas, dos mosteiros de vida contemplativa, das antigas ordens, das congregações, das sociedades de vida apostólica, dos institutos seculares e da “ordo virginum” ao momento atual da Igreja em diálogo com seu Senhor e com os homens e mulheres do nosso tempo.

Não temos a possibilidade de comentar aqui todo esse precioso documento eclesial, dada sua extensão (200 páginas na publicação da Libreria Editrice Vaticana, 1996) e dada também sua profundidade e amplidão de perspectivas. Nos fixamos somente nos números de 41 a 58, que é o início do segundo capítulo, porque nos parece encontrar aqui o coração dos valores permanentes da vida consagrada como sinal de comunhão na Igreja. 

O que nos sensibiliza particularmente é a perspectiva de que o fundamento do mistério de comunhão da Igreja e, por isso, o fundamento da vida dos filhos e filhas da Igreja que são os consagrados e as consagradas, é o “ser imagem e semelhança da Santíssima Trindade”. 

Ainda não tomamos consciência suficiente de que a Santíssima Trindade, além de adorada com todas as nossas forças, além de professada com a profunda retidão da linguagem da Igreja ao longo da história, deverá deixar de ser para os discípulos de Jesus um teorema indecifrável. Este teorema pode ser sintetizado na pergunta: como combinar unidade e diversidade em Deus e, por consequência, em sua imagem humana de homens e mulheres, para ser vivida no dia a dia da Igreja-comunhão inserida num mundo globalizado? Por isso, preferimos desenvolver algumas perspectivas sempre mais amadas  na antropologia cristã e na eclesiologia atual que nos indicam um caminho universal para tornar vida em nossa vida a comunhão do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Nos dedicaremos a isso um pouco mais a frente.

“Vita Consecrata” nos faz entender a “sequela Christi” própria dos consagrados, atravès dos votos  de pobreza, castidade e obediência, à luz do mistério trinitário. Na Exortação, a vida consagrada é vista como imagem da Santíssima Trindade (cf n. 41). A comunidade dos “doze” ao redor de Jesus, a comunidade nascida ao redor dos apóstolos e de Maria (cf At 2,42-47; 4, 32-35) é o modelo em que a Igreja se inspirou porque ela é essencialmente mistério de comunhão “um povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo” 

Ὰ medida que a vida consagrada hoje toma consciência da antropologia e eclesiologia trinitárias e experimenta sem reticências a espiritualidade de comunhão, dentro do carisma próprio de cada Instituto e entre eles,  e bem inserida na Igreja-comunhão, ela continuará a oferecer uma luz necessária para o seguimento de Jesus. “ Ά vida consagrada pertence seguramente o mérito de ter contribuído eficazmente para manter viva na Igreja a exigência da fraternidade como confissão da Trindade. Com a incessante promoção do amor fraterno, mesmo sob a forma de vida comum, a vida consagrada revelou que a participação na comunhão trinitária pode mudar as relações humanas, criando um novo tipo de solidariedade” (VC 41 § 2). 

Com os novos aprofundamentos teológicos feitos como reflexo da experiência de comunhão na Igreja hoje, podemos avançar muito na compreensão e no testemunho de uma vida fraterna concebida como reflexo da Santíssima Trindade. Justamente por esta origem trinitária da Igreja “a vida fraterna, concebida como vida partilhada no amor, é sinal eloquente da comunhão eclesial” (n. 42). É um amor incondicional baseado no mandamento novo do Senhor (cf Jo 13,34), chamado a se converter em amor recíproco, lei imprescindível da comunidade cristã e particularmente dos consagrados.

É sob esta luz que poderemos rever algumas experiências típicas da vida consagrada como é o caso dos binômios autoridade - obediência, homem - mulher consagrados, jovem - pessoa idosa, ou ainda o trinômio mestre – discípulo - missionário.

Autoridade e obediência no seio da Igreja mistério de comunhão e, por conseguinte, no seio das comunidades de consagrados e de consagradas, não podem converter-se em autoritarismo ou escravidão. Terão que converter-se necessariamente em uma experiência madura e livre de fraternidade. De fato, não se pode indicar a vontade de Deus ou obedecer a esta mediante um superior, se a autoridade e os que obedecem não procuram juntos seguir Jesus, ser ambos seus discípulos, possuidores os dois de idêntica dignidade.

Sem abdicar de sua tarefa de primeiro responsável na comunidade, a autoridade serve justamente para consolidar a comunhão fraterna e não para frustrar a obediência professada (cf VC n.43) . Mas isso só é possível quando “quem manda” e “quem obedece” se reconhecem e se tratam como irmãos. Uma das razões mais incisivas disso está no fato de que só é possível encontrar a vontade de Deus se os dois membros da comunidade (isto é, os dois discípulos do Senhor) se reconhecem e se experimentam irmãos.

A vida da Santíssima Trindade feita amor fraterno na comunidade, desperta outra dimensão concreta do amor, muito necessária hoje: o cuidado das pessoas idosas e dos enfermos: “Elas tem certamente muito que dar em sabedoria e experiência à comunidade, se esta souber estar ao seu lado com atenção e capacidade de escuta” (VC 44).

Como já lembramos antes, a Exortação Apostólica pede aos consagrados que vivam à imagem da comunidade apostólica o “sentire cum Ecclesia”, o construir a fraternidade da Igreja em todo o mundo, como também em cada Igreja Particular. Como consequência, a experiência chamada a crescer constantemente é a experiência do diálogo animado pela caridade. Isto vale especialmente para o testemunho da fraternidade em um mundo dividido e injusto. Por isso, chegou o tempo de uma comunhão sincera entre os diferentes institutos e sociedades de vida apostólica, como já se vê em muitos lugares. Os organismos de coordenação precisam ser apoiados assim como a comunhão e a colaboração com os leigos (cf VC 45-56).

A dignidade e o papel da mulher em geral, e da mulher consagrada em particular, foram bem acentuadas na “Vida Consagrada” (cf nn. 57 e 58). A Exortação prevê novas perspectivas de presença e de ação, além da urgência de criar “espaços de participação nos vários setores e a todos os níveis, mesmo nos processos de elaboração de decisões, sobretudo naquilo que lhes diz respeito” (VC 58). Ultimamente o Papa Francisco insiste muito sobre essa participação, como é o caso do dicastério da vida consagrada em Roma. As mulheres representam a maior parte das pessoas consagradas e, no entanto, não estão proporcionalmente representadas. O mesmo acontece para os mais variados campos da vida da Igreja onde sua presença significa uma postura de maior “humanização” das relações e uma manifestação mais completa da dimensão materna da Igreja. E ainda, consagrados e consagradas, capazes de um relacionamento recíproco iluminado pelo amor que vem do seio da Santíssima Trindade, poderão experimentar uma maior complementação entre as dimensões feminina e masculina, sem ferir com imaturidades e falta de conhecimento recíprocos o seu ser consagrados.

3. Consagrados e Consagradas, Discípulos e Discípulas do Senhor, na Escola da Comunhão.

Falamos de consagrados, isto é, de pessoas nas quais Deus depositou seu olhar de amor muito intenso e fez um chamado. Este idêntico olhar de Deus se dá em todos os outros chamados na Igreja e, por isso, não é privilégio dos consagrados. A estes, porém, o Senhor permitiu intuir a beleza de algumas dimensões do evangelho como caminho para seguí-lo. Em modo particular é o que acontece com os conselhos evangélicos de pobreza, castidade (virgindade) e obediência .

O chamado à consagração é um dom de Deus que é amor. Para outros o mesmo chamado foi para o matrimônio ou outras formas de vida. O chamado, vindo de Deus, é inteiramente gratuito. A resposta, segundo o próprio chamado, é dada na liberdade, não obstante mostrar-se exigente no caminho do discipulado. A resposta positiva do discípulo ao Senhor o conduz a escolhas nas quais há realidades que serão deixadas de lado, não sem um sofrimento interior.

Hoje entendemos melhor o fato que todos, enquanto batizados, são chamados a ser discípulos, isto é, pessoas que praticam o que o Senhor ensinou e testemunhou. Neste sentido a “teologia dos estados de perfeição” deve ser bem entendida, para não concluirmos que os demais são destinados à imperfeição. A volta a um aprofundamento do nosso batismo é necessária. As diversas vocações, entre elas o chamado ao serviço do sacerdócio ministerial, têm a mesma dignidade, a maior dignidade, a que foi recebida no batismo: a dignidade de filhos de Deus. Todos igualmente filhos de Deus. Dons e vocações diferentes para servir o único povo de Deus. Este é o ensinamento do evangelho retomado pela Constituição Dogmática “Lumen Gentium” do Concílio Vaticano II. A cinquenta anos do Concílio é necessário continuar a percorrer essa estrada para que ela se transforme em estilo de vida eclesial .

O centro da “Sequela Christi” é o contacto contínuo com a Palavra de Deus e a decisão diária de transformá-la em vida, de torná-la experiência nossa. Além disso, porém, Deus-Amor vem em nosso auxílio com a força dos sacramentos, dos quais os discípulos sentem necessidade para poder seguir seu caminho.

O elemento novo na vida cristã e no seguimento de Jesus por parte dos que são ou querem se tornar seus discípulos, imprescindível na cultura atual globalizada, é a passagem de uma “Sequela Christi” individual, sempre necessária, para uma “Sequela Christi” comunitária .

Por isso, no momento histórico novo que se vai construindo, a espiritualidade de comunhão oferece os princípios educativos  necessários para plasmar o homem e o cristão .


3.1. Vida Consagrada na Medida de Deus e na Medida do Homem e da Mulher de Hoje

Os consagrados e as consagradas de vida contemplativa e também os de vida ativa não existem para ocupar-se em primeiro lugar com as obras e as estruturas surgidas em sua história desde o passado. Muitas vezes estas obras e estruturas hoje se tornaram pesadas e sempre mais difíceis de serem administradas em uma situação de sempre menos pessoal disponível e de exigências sociais e públicas cada vez mais abrangentes. Esta parece ser a realidade de uma boa parte das ordens e congregações religiosas sobretudo na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália. O mesmo fenômeno, porém, começa a se acentuar também nos outros continentes.

Como nos pediu o Concílio, é necessário voltar ao sentido verdadeiro da vida consagrada, isto é, seguir Deus, descobrir, como experiência, o seu amor, pois Ele nos chamou através do nosso fundador, da nossa fundadora. De fato o que  caracteriza os fundadores é terem eles seguido a iluminação que Deus lhes deu. Foi por isso que eles se realizaram, foram felizes, e construíram monumentos de beleza e de santidade na Igreja.

De outro lado estamos tomando consciência de que o homem e a mulher de hoje chegaram a uma nova maturidade. São ciosos de valores como os da liberdade, da igual dignidade, da justiça, da diversidade, da paz, ... A globalização, facilitada pelo aperfeiçoamento da tecnologia, invadiu todos os recantos da terra. Ao mesmo tempo, porém, somos herdeiros de fenômenos que se arraigaram em nós como o individualismo, a perda dos valores tradicionais e universais, o laicismo que, à fúria de combater a religião, se torna ele mesmo uma religião, o eterno sonho do homem sem Deus, que se basta a si mesmo. No coração desse homem e dessa mulher de hoje continua viva a ânsia de felicidade, a busca da realização pessoal e coletiva, mesmo que seja conseguida somente em alguns momentos fugazes.

E nós cristãos nos apercebemos que a grande herança de luz dos milênios passados da história da fé, embora sentida como uma grande riqueza, já não é mais suficiente hoje nos mesmos moldes que recebemos do passado. A época mudou, as exigências humanas mudaram, as possibilidades de vida mudaram e ficamos meio perdidos no fenômeno cultural que hoje se processa. Voltam as tendências do tradicionalismo e do “futurismo” na Igreja, como formas de encontrar segurança na experiência de fé. O envelhecimento de muitas congregações, a ausência de vocações, o numeroso abandono da vida consagrada por homens e mulheres consagrados em todas as idades da vida, o desacerto entre os consagrados mais idosos e os mais jovens, o aparecimento de fundadores infiéis ao próprio carisma como consequência de sua infidelidade ao evangelho, tudo isso, nos questiona. Qual será, pois, a vida consagrada autêntica na medida de Deus e na medida do homem e da mulher hoje? 


3.2. Deus é Amor (1 Jo 4,8.16). O Homem e a Mulher Também São Amor (Gen 1,27)

No início de nosso caminho vocacional de consagrados e de consagradas nos marcou, sem dúvida, uma experiência profunda de Deus que nos atraiu com seu amor suavemente, ou mesmo fortemente. O que a maioria de nós não duvida é que se tratou de uma experiência verdadeira e envolvente. Enamorados seguimos esse chamado, no começo a partir de sinais por vezes simples, sem perceber quem sabe a dimensão exigente que se mostraria depois, mas seguimos o Senhor sem medos e por caminhos pouco conhecidos. Esse é o momento mais significativo do que determinou nossa vida. A ele é necessário voltar com decisão para não perder a estrada e manter acesa a chama da busca de felicidade que queima dentro de nós.

O apóstolo e evangelista João nos assegura que Deus é amor (1 Jo 4, 8. 16). Não se trata de um sentimento em Deus, ou de uma sua virtude, mas daquilo que define o que Deus é: Ele é amor. Este é o seu ser, esta é sua essência, se assim quisermos dizer. Experimentar o chamado de Deus no início de um chamado para a vida consagrada significa experimentar a presença do amor, experimentar a força de atração do amor, sentir a vontade de ser amor. Com toda a certeza, nesse momento, Deus não envolveu apenas a nossa inteligência para a adesão a uma verdade de fé, ou a nossa vontade para a adesão à moral cristã que gera comportamentos novos. Foi, sem dúvida, uma experiência mais abrangente, que envolveu todo o nosso ser, inclusive os afetos e nossa sexualidade.

Somente experimentando o amor podemos compreender que Deus tenha tomado a inciativa de tornar-se carne, tornar-se humano, na pessoa do Filho, em Jesus de Nazaré, o filho da Virgem Maria. E’ o Amor Aquele que vem em busca de sua criatura afastada pelo pecado, para retomar para si o que é seu. O mistério da encarnação do Filho tem as características do amor. E’  manifestação do amor. Com a vinda do Filho entendemos que o amor não é solidão e sim comunhão. Jesus, o Filho de Deus encarnado, nos revela, por isso, que Ele não vive sozinho. Ele tem um Pai que é Deus como Ele. Ele nos revela e nos comunica também o Espírito Santo que é Deus como Ele e o Pai. Por isso Tres que são o amor não formam tres solidões. Ao contrário, os Tres diferentes e bem individuados, cada um como pessoa, difere do outro, e, ao mesmo tempo, forma com o outro uma única unidade em perfeito equilíbrio. De fato, em Deus-Amor, unidade e diversidade não se opõem, mas são duas faces da mesma realidade. Essa aproximação do mistério central de Deus poderá hoje ajudar a ontologia (filosofia) e a antropologia cristãs a dar novos passos para ajudar a cultura atual a compor, de modo positivo, as dimensões da unidade e diversidade na experiência humana e na compreensão e experimentação da natureza e do cosmos .

Por que buscamos no mistério da Santíssima Trindade a realidade mais profunda para abrir o caminho de uma experiência antropológica para o nosso tempo ?

Porque os tempos são novos, exigentes, complexos, marcados pelo progresso tecnológico que permite novas experiências humanas não possíveis antes e modificam muitos dos parâmetros e critérios de vida que até agora usamos. A própria fé assumiu formas da cultura de outros tempos que hoje não sentimos mais. Cresceu a consciência da importância dos valores humanos que devem ser alcançados e não podem eles estar em contraposição com os valores que a fé propõe. Prefere-se alcançar uma felicidade humana possível que buscar uma felicidade futura incerta e difícil, e isso não depende do grau de dificuldade para alcançá-la. Para nós homens e mulheres de fé, cristãos que querem arriscar tudo pela pessoa de Jesus Cristo, aqui está o novo desafio. Por que a nossa experiência de fé parece não nos oferecer uma felicidade maior do que a daqueles que não seguem Jesus?

Recorremos ainda à Palavra de Deus para fazer a passagem necessária da realidade de Deus para a nossa realidade humana e cósmica. Voltemos à narrativa da criação assim como nos é descrita no livro do Gênesis 1, 27-28: O Homem e a Mulher são: criatura, filho e filha, e imagem de Deus.

Criatura 
“Deus criou o ser humano
à sua imagem, à imagem de Deus o criou.
Homem e mulher ele os criou.
E Deus os abençoou
e lhes disse: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão”” (Gen 1,27-28)

Deus criou o ser humano: A Bíblia transmite a certeza de que Deus existe e de que o ser humano não é deus, mas é criado por Deus e, por isso, é sua criatura.

O ser humano é imagem de Deus: há uma mesma identidade entre Deus, o homem e a mulher. Hoje, depois da vinda de Jesus Cristo, nós compreendemos que o ser humano é imagem do Pai e do Filho e do Espírito Santo, isto é, da Santíssima Trindade. Foi o Filho de Deus quem nos revelou e nos comunicou este grande mistério. Como Deus é amor, o ser humano também é amor.

O ser humano é homem e mulher: estas são as duas faces da humanidade, o masculino e o feminino. Eles são colocados em pé de igualdade, um com o outro, e chamados a formar uma unidade de vida. Diversos, como as pessoas da Trindade, mas chamados à comunhão de vida, como a Trindade Santa é um só Deus.

Na criação Deus abençoou o homem e a mulher: eles são criaturas abençoadas e, por isso, agradáveis a Deus. Na origem o homem e a mulher são bons e foram agraciados por Deus porque nasceram de suas mãos. O homem e a mulher foram queridos por Deus desde sua origem e a história da salvação, narrada pela Bíblia, mostra que Deus não pode viver sem procurar e amar o homem e a mulher. Por isso, Ele os fez fecundos. A existência de outros seres humanos, que nascem do primeiro homem e da primeira mulher, não modifica as características da origem, enquanto todos os homens que são chamados ao banquete da vida, pela fecundidade dos primeiros pais, são criaturas de Deus, são homens e mulheres, e são imagem de Deus, por Ele abençoados. Também eles, que são frutos dessa fecundidade, são chamados a presidir a natureza, aperfeiçoando-a com sua inteligência e conservando-a para todos.

Filho e Filha

“Com efeito, vós todos sois filhos de Deus pela fé no Cristo Jesus. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há mais judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher, pois todos vós sois um só, em Cristo Jesus” (Gl 3,26-28).

“Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar os que eram sujeitos à Lei, e todos recebemos a dignidade de filhos. E a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito que clama: “Abá, Pai!” Portanto, já não és mais escravo, mas filho; e, se és filho, és também herdeiro; tudo isso, por graça de Deus” (Gl 4,4-7).

A graça da filiação divina é a que dá ao homem e à mulher  sua maior e única dignidade humana. Nenhum ministério, nenhum carisma, nenhum estado de vida, constitui uma nova dignidade, de tal modo que estes são apenas serviços a serem oferecidos aos membros do povo de Deus, todos eles revestidos da mesma dignidade de filhos de Deus. Hoje é preciso arregassar as mangas para modificar nossas velhas e falidas atitudes pessoais herdadas de uma cultura contrária ao evangelho. Nós bispos, como também todos os consagrados e consagradas, somos chamados a essa necessária mudança interior.
Chegamos a esse conhecimento acima, sem contrariar a luz que nos chega da razão, a respeito do homem e da mulher, enquanto somos iluminados pela fé. De fato, foi o Filho, Jesus Cristo, quem nos revelou e comunicou que Deus é Pai e Filho e Espírito Santo, um único Deus em três pessoas distintas.

Para aprofundar esse mistério (realidade maravilhosa) do homem e da mulher criados à imagem de Deus, precisamos nos aproximar reverentes da própria identidade de Deus. Dificilmente o homem e a mulher teriam chegado ao conhecimento de Deus em três pessoas, sem que, do alto, o próprio Filho o tivesse revelado. Hoje, ajudados pela “sequela Christi” e pela reflexão teológica aprofundada a partir dos documentos atualíssimos do Concílio Vaticano II, chegamos a compreender que a vida consagrada precisará continuar a dar novos passos na direção da espiritualidade de comunhão, cujos passos terão necessariamente que partir do mistério que é fonte segura do caminho: a Santíssima Trindade. Um esboço do caminho que deverá ser percorrido como experiência eclesial pelos consagrados e consagradas, mas também por todos os discípulos de Jesus hoje, tendo em conta os tempos profundamente mudados é o que segue abaixo:

Deus é Uno e Trino porque Deus é amor (1 Jo 4,7-21). A encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo, permitiu ao homem e à mulher conhecer e experimentar o amor. A Carta de Paulo aos Filipenses (2,5-11) explica o amor de Deus como kénosis (esvaziamento). O mistério da encarnação, a vida de Jesus de Nazaré e o mistério pascal confirmam o caminho da revelação e da comunicação do amor por parte de Deus como kénosis (esvaziamento). Somente esta poderá ser a estrada do amor entre os homens e as mulheres. Por isso é necessário começar a leitura do texto aos filipenses a partir do versículo cinco. 

Desse modo o nosso desafio para experimentar Deus-Amor, para experimentar seu amor, passa pela reconstrução da relação com a pessoa que está diante de nós. Sem isso, segundo Jesus, não há experiência de Deus. Deus é um só em três divinas pessoas porque suas relações são amor: o Pai só é pai porque tem um Filho; assim é também o Filho. O Espírito Santo é o amor que une o Pai e o Filho. Entre nós é a experiência de relação de amor com o outro a que permite experimentar Deus. Por isso hoje não será fugindo do outro para se proteger que nós encontraremos e experimentaremos Deus, mas aproximando-nos do outro, homem ou mulher, com simplicidade de coração, dispostos a amá-lo, que nós penetraremos o mistério de Deus. Esta é uma mudança necessária na prática da espiritualidade hoje. 

Em Deus unidade e diversidade coincidem de modo perfeito. O homem e a mulher, criados à imagem de Deus Uno e Trino são um ser em relação de amor entre si e com todos os demais homens e mulheres. Conseqüência disso, é que o homem e a mulher só podem construir de um modo correto sua identidade, em relação de amor com os demais homens e mulheres. A kenosis (o esvaziamento de si por amor ao outro) é a única maneira possível para se experimentar a unidade entre as pessoas, sem destruir a diversidade. O amor humano que se torna divino é capaz de amar a todos, amar por primeiro, amar sempre, como ama Deus. O amor que se torna recíproco ao menos entre duas ou três pessoas, gera a presença de Jesus entre elas (cf Mt 18,20). As pessoas que realizam a experiência do amor trinitário em seus relacionamentos provam e testemunham a felicidade verdadeira. Esta felicidade não se dá sem as condições colocadas por Jesus: renunciar a si mesmo e tomar a própria cruz. A compreensão nova, que ilumina este caminho é que a renúncia a si mesmo e o tomar a própria cruz, são motivados pelo amor, como o de Jesus.

3.3. O Amor, que é Deus, é Ser e Não-Ser ao mesmo Tempo: a “kénosis”como condição “sine qua non” do Amor (Flp 2,5-11).


Para compreender o Amor e para experimentar seus efeitos no homem e na mulher, a ponto de fazê-los experimentar a felicidade, não é suficiente  elaborar um correto sistema de idéias, por mais bem construido que seja. O Amor é, antes de mais nada, o resultado de uma experiência repetida pacientemente com relação a Deus e em relação contínua com o homem e a mulher. E’ preciso, porém, partir do supremo mistério da Santíssima Trindade.

O Filho de Deus foi enviado pelo Pai para garantir ao homem e à mulher que Deus é amor e, por isso, nunca deixou de amar sua criatura, mas a destinou a se tornar seu filho e sua filha.

Ele, o Filho de Deus, feito homem, foi quem nos revelou e comunicou que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Não são tres deuses, mas um só Deus. Ele é o ser, o fundamento de todo o ser. Somente Nele todas as coisas existem. Somente Nele o homem e a mulher existem.

Deus, porém, é também não-ser, porque o Pai não é o Filho. O Filho não é o Pai. O Espírito Santo não é nem o Pai e nem o Filho. Em Deus a diversidade é una, sem deixar de ser diversidade ao mesmo tempo. Em Deus o ser e o não-ser coexistem em perfeita identidade e diversidade. O homem e a mulher, imagem e semelhança desta única fonte verdadeira, são chamados a exprimir, em sua realidade humana de “filhos no Filho”, o mistério escondido em Deus (cf CIC 254).

Para intuir e viver algo desta infinita realidade nós precisamos aprofundar o que é o Amor. A melhor maneira para fazer isso é observar o modo de agir de Deus Pai quando envia seu Filho na encarnação do Verbo, no seio da Virgem Maria.

O apóstolo Paulo nos vem em ajuda na Carta aos Filipenses (2, 5-11).
Este hino cristológico nos fala de um “esvaziamento” do Filho para poder encontrar a pequenês do homem e da mulher. Somente o Amor é capaz de um movimento inusitado e, aparentemente, contraditório. Em teologia chamamos este modo de agir de Deus “kenosis” (esvaziamento), presente no mistério da encarnação, na vida escondida de Nazaré e de modo quase incompreensível no mistério da cruz (paixão e morte do Senhor). Nesse percurso é o amor de Deus que se manifesta diante do homem e da mulher do modo mais completo e radical, chegando ao ponto do “abandono” e da morte de Jesus na cruz. O homem Jesus de Nazaré, Filho de Deus, morre sozinho, sem receber a resposta do Pai ao seu grito de extrema dor. Morreu sem ouvir a resposta do Pai, sem resposta, ... Ficou do nosso lado, mesmo no momento mais duro em que toda sua vida e sua obra poderiam parecer um grande absurdo e ilusão. O Pai, de quem o Filho veio, com quem o Filho habita e que amou e ama o Filho desde toda a eternidade, deixou o Filho “sozinho”, sem intervir, em sua condição de fidelidade ao homem e à mulher. Por isso, o Filho deixa-nos a herança bendita de uma fidelidade a toda a prova, continuando, como única coisa que lhe resta, a acreditar no amor do Pai. Por isso, seu último gesto é entregar nas mãos do Pai seu espírito .

Ά luz deste mistério insondável de dor e de amor do mistério pascal, a espiritualidade da unidade, ou a espiritualidade de comunhão, nos ajudam hoje a tirar uma conclusão que pode ter efeitos de grande profundidade em nossa vida de discípulos: se o grito de abandono de Jesus na cruz é o momento de sua maior dor, é também o momento de seu maior amor. O grito de abandono de Jesus pouco antes de morrer na cruz torna-se, para nós discípulos, o modelo do mais perfeito amor. Este é, de verdade, o ato de obediência perfeito.

Um Amor assim, vivido pelo homem e pela mulher diante de Deus, como resposta incondicional de amor, e, ao mesmo tempo, vivido com a mesma intensidade e qualidade diante de cada pessoa humana, é capaz de fazer brotar a vida e a felicidade lá onde ela talvez esteja se apagando e terminando. Penso sinceramente que nós temos aqui uma realidade espiritual e humana capaz de fazer renascer e se desenvolver a vida consagrada no meio de suas crises atuais .


Um discípulo de Jesus, que ama outra pessoa na medida do Amor que é Deus, com um Amor divino e humano ao mesmo tempo, cria as melhores condições para que o outro, amado, experimente alegria e felicidade verdadeiras e queira também ele fazer o mesmo caminho com o discípulo de Jesus que o amou. Quando acontece isso entre duas ou mais pessoas, realiza-se a promessa de Jesus feita em Mt 18,20. Entre eles, então, tem início uma comunidade verdadeira, onde se percebe a presença de Jesus. Esta presença, atraente por si mesma, se torna evangelizadora, e de tal modo que a comunhão se converte na condição verdadeira e imprescindível da própria evangelização (missão), com resultados que se tornam visíveis e surpreendentes .

Assim, o Amor, que é reciprocidade entre as Pessoas da Santíssima Trindade, se faz reciprocidade entre os discípulos, e gera a presença do Senhor entre eles. Desta forma compreendemos como a missão nasce da comunhão e nela se alimenta. Podemos mesmo afirmar com convicção que o Verbo se fez carne para que a carne se fizesse comunhão, alimentada pela Palavra e pela Eucaristia. Reunimos assim, como experiência realizada hoje na comunidade, as características da primeira comunidade de Jerusalém: eram unidos na doutrina dos Apóstolos (o mesmo que “Palavra de Deus”), koinonia (comunhão fraterna) e “fração do pão” (Eucaristia) (cf Atos 2,42).

O Catecismo da Igreja Católica, citando a “Fides Damasi”  afirma: “Deus é único mas não é solitário (n.254). O Amor, essência de Deus, comunhão essencial das Tres Divinas Pessoas, é o manancial e a origem da essência do homem e da mulher. Jesus, o Filho enviado pelo Pai, foi quem nos revelou e comunicou este mistério. Jesus viveu desse modo entre nós, deixando-nos através dos apóstolos os escritos de seus gestos e palavras.

Podemos então crer na encarnação do Verbo que revelou e comunicou  ao homem e à mulher o Amor que faz dos Tres comunhão. Como para o Verbo de Deus, o caminho para o homem e a mulher encontrar o Amor e ser o Amor é a “kénosis”, o esvaziamento de si, para ser para o outro por amor .

Este mesmo caminho foi percorrido pelo Senhor até à medida da Eucaristia. A Eucaristia é um abismo por demais grande de esvaziamento por parte do Senhor. A entrega deste mistério aos discípulos causou um grande escândalo. Alguns abandonaram definitivamente o Mestre. ”O’ res mirabilis” a chamou a piedade eucarística, porque no Calvário o Amor, que é Deus, já escondera a divindade de Jesus para poder estar próximo de cada pessoa. Na Eucaristia o Amor esconde também sua humanidade, fazendo-se “coisa” para poder estar perto dos seus em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo.


Conclusão

Encerrando esse nosso percurso de hoje sobre a vida consagrada a cinquenta anos do Concílio, colho alguns pontos do caminho que fizemos para que sejam estímulo positivo para o nosso compromisso de consagrados e consagradas.

A experiência de Deus como Amor precisa voltar a ocupar o centro da vida consagrada, por isso, o carisma do fundador ou da fundadora deverá espelhar esse caminho do discípulo. A beleza de cada carisma deverá caminhar para ser visto como uma flor da Igreja que se insere no conjunto de muitas outras flores a cuja beleza se somará no mesmo jardim da Igreja.

Será preciso construir pacientemente a vida das comunidades concentrando todas as forças em viver a Palavra de Deus para depois comunicá-la aos irmãos e irmãs em forma de experiências vividas.

Caminhar de uma espiritualidade individual para uma esperitualidade comunhão (coletiva), reconstruindo as relações inter-pessoais à luz do mistério da Santíssima Trindade. Assumir, no espírito de comunhão, as estruturas de comunhão, que passam através dos conselhos nos vários níveis eclesiais e carismáticos de nossas famílias consagradas.

Aperfeiçoar pessoalmente a experiência dos conselhos evangélicos de pobreza, castidade e obediência. Entrar e saber permanecer nas chagas pessoais de nossas comunidades, da Igreja e da humanidade com o mesmo espírito de Cristo que grita seu abandono e sua entrega por amor. Crer no cêntuplo que o Senhor nos dá nessa vida e na vida eterna. Voltar a sorrir em nosssa congregação, como expressão autêntica de nossa felicidade. Simplificar o caminho espiritual de comunhão, dando todo o valor possível ao momento presente de nossa vida: este é o único de que verdadeiramente dispomos.

Obrigado, irmãs e irmãos pela escuta e acolhida!!!


Curitiba, 28/29 de agosto de 2014

Referências Bibliográficas
[1] LG 43 evidencia o caráter cristológico da vida consagrada, que será aprofundado em particular pela Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vita Consecrata. O Papa João Paulo II acentuará essa dimensão na primeira Mensagem para a Jornada da Vida consagrada: “Como sublinhou o Concílio (cf LG 44) e eu mesmo tive a ocasião de repetir na citada Exortação Apostólica, a vida consagrada “imita mais de perto, e perpetuamente representa na Igreja” a forma de vida que Jesus, supremo consagrado e missionário do Pai para o seu Reino, abraçou e propôs aos discípulos que O seguiam” (n.22). Esta é, portanto, especial e viva memória de seu ser de Filho que faz do Pai seu único Amor – esta é sua virgindade – que encontra Nele sua riqueza exclusiva – esta é sua pobreza – e tem na vontade do Pai o “alimento” do qual se nutre (cf Jo 4,34) – esta é sua obediência – “ (Mensagem de 02 de fevereiro de 1997, 3. Tradução minha).

[2] A obra monumental coordenada por G.ROCCA, o Dicionário dos Institutos de Perfeição (DIP, 10 volumes) testemunha e oferece ao Povo de Deus uma riqueza imensa de experiências carismáticas que ajudam viver a própria vocação batismal e a missão da Igreja: “Os mesmos dons infundidos pelo Espírito estão ordenados por vontade de Cristo e por sua natureza ao Corpo inteiro, de modo que possa vivificar suas  funções e atividade” (MR 5).

[3]  Uma contribuição constante para seguir e promover a renovação da vida consagrada foi e é oferecida pelas Revistas específicas presentes em vários países do mundo. Os responsáveis de 14 delas, de 7 países se reuniram em Roma no III Congresso Internacional, com o tema “Seguindo as Pegadas do Concílio” (28-30.11.2012). O congresso aprofundou o magistério conciliar e a colaboração recíproca. Para quem estiver interessado pode ser útil consultar as obras em colaboração publicadas neste período, em particular as Atas das reuniões semestrais da Conferência De Superiores Gerais (USG), publicadas em algumas línguas.

[4] Cf NMI 43-45. Indicamos ainda: VV.AA., Vita consacrata, un dono del Signore alla sua Chiesa, Turim-Leuman 1993; VV.AA., Consacrati da Dio, dono alla Chiesa e al mondo. Approfondimenti sull’Esortazione Apostolica “Vita Consecrata”, Roma 1997; VV.AA., L’Esortazione Apostolica postsinodale di Giovanni Paolo II. I grandi temi, Roma 1997.
[5] Papa Francisco, Discurso às participantes da Assembléia Plenária da União Internacional das Superioras Gerais (UISG), 08 de maio de 2013
[6] Veja-se, por exemplo, a resposta do Papa Francisco na entrevista ao diretor da revista Civiltà Cattolica, no dia 19 de agosto de 2013: “Os religiosos são profetas. São os que escolheram um modo de seguir Jesus que imita sua vida com a obediência ao Pai, a pobreza, a vida de comunidade e a caridade. Na Igreja os religiosos são chamados  a ser profetas que dão testemunho de como se vive a modo de Jesus neste mundo, e que anunciam como será o Reino de Deus quando chegue à sua perfeição. Ser profeta implica, por vezes, fazer barulho, não sei como dizer, ... A profecia cria alvoroço, alguém diria que cria “grande confusão”. Na verdade, porém, seu carisma é ser fermento: a profecia anuncia o espírito do Evangelho” (SPADARO A., Entrevista ao Papa Francisco, “Civiltà Cattolica”, n. 3918, 19 de setembro de 2013, 464-465; a tradução é minha). A Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (CIVCSVA) estuda com atenção e em diálogo com a UISG e a USG o diálogo profundo e expontâneo de tres horas do Papa Francisco com mais de 100 Superiores Gerais no dia 29 de novembro de 2013 na Sala do Sínodo, no Vaticano. Foram momentos geradores de tamanha alegria para os superiores que alguns deles disseram: “O Papa Francisco nos reuniu ao seu redor como um pai de família reúne seus filhos em sua casa” (Cf. SPADARO A., “Svegliate il mondo”, Colóquio do Papa Francisco com os Superiores Gerais, in La Civiltà Cattolica, 165, 2014/I). Cf a Carta Circular “Rallegratevi” da CIVCSVA, em preparação ao ano da vida consagrada, Livraria Editora Vaticana, 02.02.2014, Roma.
[7] Este dado teológico è retomado pela Exortação Apostólica Vita Consecrata, na qual João Paulo II oferece a motivação, unindo a vida consagrada diretamente com sua fonte pelo fato de “a profissão dos conselhos evangélicos estar intimamente ligada com o mistério de Cristo, já que tem a função de tornar de algum modo presente a forma de vida que Ele escolheu, apontando-a como valor absoluto e escatológico. O próprio Jesus, ao chamar algumas pessoas a deixarem tudo para O seguirem, inaugurou este gênero de vida que, sob a ação do Espírito Santo, se desenvolverá gradualmente, ao longo dos séculos, nas várias formas de vida consagrada. Portanto, a concepção de uma Igreja composta unicamente por ministros sagrados e por leigos não corresponde às intenções do seu divino Fundador, tais como no-las apresentam oe Evangelhos e outros escritos neo-testamentários” (VC 29 § 3; cf 23).
[8] João Paulo II, Mensagem aos Participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, Roma, 27-29 de maio de 1998, n.5.
[9] A primeira obra de referência  é TILLARD, M.R. e CONGAR, Y.M.J., Il rinnovamento della vita religiosa. Studi e commenti intorno al Decreto “Perfectae Caritatis”, Vallecchi Editore, Florença 1967. Veja-se também CISM-USMI, Vita religiosa, bilancio e prospettive. Atti della celebrazione del XXV del Decreto conciliare “Perfectae caritatis, ed. Rogate, Roma 1991.
[10] A estes apelos , devido o caráter profético da vida consagrada, poderíamos acrescentar as perguntas que o Papa Francisco fez durante a homilia de Pentecostes: “A novidade sempre nos causa um pouco de medo, porque nos sentimos mais seguros se temos tudo sob controle. Temos medo que Deus nos conduza por caminhos novos, que Ele nos tire de nossos horizontes frequentemente limitados, fechados, egoístas, para abrir-nos aos seus. Perguntemo-nos: estamos abertos às “surpresas de Deus”? Ou nos fechamos , com medo, à novidade do Espírito Santo? Estamos decididos a percorrer caminhos novos que a novidade de Deus nos apresenta, ou nos intrecheiramos  em estruturas caducas  que perderam a capacidade de resposta?” (Homilia na Solenidade de Pentecostes, 19 de março de 2013. A tradução é minha).
[11] S.Cipriano, De Oratione Dominica 23: PL 4, 553; cf. Concílio Vaticano II, LG 4. A Exortação “Vita Consecrata” retoma o texto de S. Cipriano e precisa: “A vida fraterna intenta refletir a profundidade e a riqueza desse mistério apresentando-se como um espaço humano habitado pela Trindade, que difunde assim na história os dons da comunhão próprios das tres Pessoas divinas” (VC41).
[12] CIVCSVA, O Serviço da Autoridade  e da Obediência, Instrução de 11 de maio de 2008.
[13] Cf VC 15.17-19.
[14] “As diversas formas de vida, em que, segundo o desígnio do Cristo Senhor, se articula a vida eclesial, apresentam recíprocas relações, sobre as quais convém deter-se. Todos os fiéis, em virtude de sua regeneração em Cristo, compartilham a mesma dignidade; todos são chamados à santidade; todos cooperam para a edificação do único corpo de Cristo, cada qual segundo a própria vocação, e o dom recebido do Espírito (cf Rm 12,3-8) (cf LG 32; CIC, cân 208; Código dos Cânones das Igrejas Orientais, cân.11). A dignidade igual entre todos os membros da Igreja é obra do Espírito, está fundada no Batismo e na Confirmação, e é corroborada pela Eucaristia. Mas é também obra do Espírito a multiplicidade de formas. E’ Ele que faz da Igreja uma comunhão orgânica na sua diversidade de vocações, carismas e ministérios (AdG.4; LG 4.12.13; GS 32; AA 3; ChL 20-21: AAS 81 (1989), 425-428; Congr. para os Bispos, Carta Communionis notio (28.05.1992),15: AAS 85 (1993), 847.
[15] A afirmação fundamenta-se sobre a ”índole  comunitária da vocação humana no plano de Deus”, como afirma a “Gaudium et Spes”, que abre horizontes novos: “Quando o Senhor  Jesus reza ao Pai que “todos sejam um ... , como nós somos um” (Jo 17,21-22), abre perspectivas inacessíveis à razão humana, sugere alguma semelhança entre a união das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança manifesta que o homem, a única criatura na terra que Deus quís por si mesma, não pode se encontrar plenamente se não por um dom sincero de si mesmo (cf Lc 17,33)” (GS 24 § 3).
[16] Cf Beato João Paulo II, Carta Apostólica “Novo Milennio Ineunte”, 43: “Uma espiritualidade de Comunhão: Fazer da Igreja a casa e a escola da comunhão: eis o grande desafio que nos espera no milênio que começa, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e corresponder às expectativas mais profundas do mundo” . Cf VC 51: “A Igreja confia às comunidades de vida consagrada a missão particular de fazerem crescer a espiritualidade de comunhão, primeiro no seu seio e depois na própria comunidade eclesial e para além de seus confins, iniciando ou retomando incessantemente o diálogo da caridade”. Cf CIVCSVA, Caminhar a Partir de Cristo, Instrução, 28-29: A espiritualidade de comunhão.
[17] MORICONI B. (coordenador), Antropologia Cristiana. Bibbia, Teologia, Cultura, Città Nuova, Roma, 2001.
[18] Cf. Beato João Paulo II, NMI 37; CIVCSVA, Caminhar a Partir de Cristo, 27.
[19] Cf. VC 24: A Dimensão Pascal da Vida Consagrada.
[20] “Na vida de comunidade , também se deve tornar de algum modo palpável que a comunhão fraterna , antes de ser instrumento para uma determinada missão, é espaço teologal, onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado (cf Mt 18,20) (cf S.Basílio, As Regras Mais Breves, q.225: PG 31, 1231). Isto verifica-se graças ao amor recíproco de quantos compõem a comunidade ... “ (VC 42 § 3; cf 72).
[21] Profissão de Fé do Papa Dâmaso  (cf DS 71; CatIC 192)
[22] LONGHITANO T., Vita Trinitaria e Kénosi, Urbaniana University Press, Roma 2013; CODA P., L’altro di Dio, Rivelazione e Kénosi in Sergej Bulgakof, Città Nuova, Roma 1998; MITCHELL D.W., Saggio sulla Kenosis cristiana nell’ottica del dialogo interreligioso, Nuova Umanità XXV (2003/3-4) 147-148, pp.457-502.

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